segunda-feira, 11 de julho de 2011

Não há satisfação em enforcar um homem que não faz objeção a isso.
George Bernard Shaw
 
 
“Primeiro precisamos lhe arranjar um grande e trágico acidente, um embate, um duelo, uma fatalidade, então poremos tua perna à prova. Corto-lhe com machado afiado e então detalhamos como será sua história. É razoável que a perna passe por um processo infeccioso e se inutilize ao longo do tempo, mas é melhor que ela seja comida, arrancada, triturada, amaldiçoada, explodida ou catapultada. Veja bem, velho pernicioso, uma perna de pau impõe respeito somente se houver uma história que valha a pena ser contada por trás da madeira lustrada.

Conhecido é o simbolismo, o temor provocado nos inimigos, o respeito que inspira os amigos, a sensualidade que evoca nas mulheres o mais profundo e salivante desejo de roçar a tua perna de pau. Pagar-te-ão em rum para ouvir teu conto trágico e audaz. Circundarão tua pessoa para admirar a peça. Que espera para que lhe partamos este osso não profícuo que lhe dói por todo o inverno? Tantos anos saqueando deslumbrantes tesouros, pilhando mercantes asiáticos, perfurando com tua espada o peito dos timoneiros, agora que tua barba roça tua barriga entre fiapos grisalhos e sujos, já não é a hora de mais valia para presentear-te com está madeira tão bela quanto uma preciosidade de ourives?
Se precisar de exemplos dos préstimos que minha pessoa já executou, nestes anos acalantes, lembre da imagem pomposa que o pirata Tunus Albacaris construiu perante a corte aduaneira do Rei Vermelho, penetrando o castelo real com perna de pau e pistola de pavio curto. Não podemos negar que a história fez jus a esta imagem, mesmo que a guilhotina tenha aparado o pescoço de Tunus tão logo foi capturado. Quem poderá dizer que não valeu a pena ser assunto nas classes abastadas? Tome nota também da vida de meu primeiro cliente, pirata Mero das Elipses, o louco dos canhões. Exigiu que sua perna de pau pudesse armazenar pólvora, assim foi feito, como não? Você já se lembrou desta legenda? Muito difundida, de fato. Explodiu-se bravamente contra uma turba de motim. Épico, meu amigo, épico.

Posso aceitar rublos. E definitivamente me interessa a coleção de sestércios, no entanto, adiciono duas tiras de couro no toco inferior se acrescentar esta bolsa de ervas que carrega a tira colo, me é útil nas questões salutares. Negociados estamos por setecentos e trinta rublos, quarenta e três sestércios e um punhado das ervas aromáticas. É menos do que costumeiramente é acordado entre minha família de clientes, mas, como estava tu numa dúvida cruel, deixo a bonança em seu bolso para que volte e experimente muito mais que tenho a oferecer.
 
Repare, é aqui que farei a incisão. Beba rum, mas é claro. A bebida da casa é à vontade. O torpe é lucidez para tão árduo trabalho; e assim tu mal sentirás o tranco. Mastigue este pedaço de estopa, pois a pressão pode subir inquietante até a tua testa e transformar-se em uma dor sibilante. Seja como for, é passageira. As agruras que precedem uma vida de glória e importância, são nada menos que mais história para uma rica coleção. Já prepara logo teu barco, pense só, mire bem tua próxima pilhagem, escolha a dedo teus homens e Deus te proteja da cabeça da serpente do mar. Observe como puxo este osso, que não é nada que uma picada no nervo.

Recoste-se e troque a estopa. Mais rum e mais um tranco, te garanto, olhe só, aqui jaz tua ex-perna que de tão comum, nada lhe trouxe de bom. Tão rápido que foi, concorda? Mas é normal teu suor, tua tremedeira. A brasa do carvão vai estancar a abertura. O barulho te aflige? Não se incomode, é como um porco tostando, tomo extrema precaução, fique sossegado. Pus meu dedo e já nada sentiu, percebe? É hora de cravar o taco. Só mais um tranco, o laço nas cores que escolheu é de muito bom gosto. O couro se expandirá com o tempo, o que sente de aperto é pura impressão. O repuxo ocorrerá nos primeiros dias. Um pouco de força, agora. Estrala a madeira por conta da pressão, de outra forma não poderia ser.

Que tal? Gostou? Parece bem reta. A dor é mais do que normal, necessária até, eu diria. Orgulhe-se, que este modelo é novo. Jamais servi tão bem um cliente. Caso queira, faço com que esta perna de pau seja exclusiva, jogando o molde fora. Quanta honra e boa sorte, concorda? O que passa? Machucou-se? Foi só um pequeno tombo, ajudo-o e lhe ofereço esta muleta. Peço-te perdão pela falta, sempre é bom repousar em muleta por um mês. Não se invoque com as farpas, pense nelas como uma coroa. Sim, é normal o negrume da carne.
 
Concordo, é estranho no começo, mas é satisfatório em longo prazo. Um bom dia eu lhe ofereço, velho pirata. Vejo a satisfação em teu rosto. O quê? Na estante? Cobiça já minhas mãos de gancho? Pura prataria bem encurvada. Já podemos pensar num molde para mais adiante. Imagine a completitude de uma perna de pau, uma mão de gancho e quem sabe, juntando ouro, um belo olho de vidro! Adeus, pirata. Um bravo sempre tem olhos acurados, portanto aguardo teu retorno. Não, não reproduzo cicatrizes. Infelizmente. Há de conquistá-las por si só, concorda? Tome aqui, leve como presente, esta garrafa de rum.”  
 
 
 


sábado, 25 de junho de 2011

- Aos doze anos, lembro bem. Aos doze anos brincava com meu primo de pau e pedra! Uma guerra muito particular e divertida que travávamos todas as tardes após a escola. Pulávamos o cercado irregular de um terreno baldio e nos batizávamos com nomes de guerra. Na maioria das vezes eu me nomeava Sir Moto Hansen! Na época o herói favorito de todos os garotos.

- E seu primo? Tinha alguma personagem predileta?

- Ah sim. Ele tinha. Meu primo era Caravana Azul. Um antagonista poderoso dos gibis. Posso até dizer, que ele não variava sua personagem, era sempre Caravana Azul. Eu mudava conforme as influências que a Tv me passava no fim de semana.

- Mas Sir Moto Hansen era a maior constante!

- Sim... Era.

- Achei curioso o fato de você começar sua narrativa justamente aos doze anos...

- É... É...Tem razão. Mas é minha primeira lembrança mais viva...

- Prossiga a partir deste ponto, Sr. Petardo.

- Claro... Eu era um gordinho de duas dobras na barriga. Coisa da genética do meu pai. Mas além da propensão familiar eu fui criado com liberdade degustativa. Não havia inocência em meus bolsos, sempre abastecidos com guloseimas. Em especial, caramelos.

- Seu pai e sua mãe tinham problemas conjugais aparentes?

- Não posso afirmar com certeza, mas até minha adolescência não presenciei cenas familiares neste sentido. No mais, alguma discussão sobre os desatinos do trivial.

- Que bom! Posso afirmar que isso refletiu em seu comportamento dócil naquela idade?

- Se a influencia externa for algo tão determinante no comportamento das pessoas, pode afirmar isso.

- Prossiga a partir de um dia marcante dos seus doze anos.

- Da última brincadeira envolvendo Sir Moto Hansen e Caravana Azul. Estávamos a caminho do terreno baldio, a duas quadras da nossa rua. Meu primo e eu morávamos um ao lado do outro. Nossas famílias constantemente confraternizavam. Das crianças que nos acompanhavam neste dia, lembro do nome de apenas duas, Marcos e Toni. Contando eu, Caravana, Marcos e Toni, havia mais quatro garotos.

- Você se referiu ao seu primo como Caravana. Por quê?

- Ah... Ele não admitia outra nomenclatura num dia de brincadeira.

- Seu primo é, hoje, um homem de que tipo? Descreva-o.

- Doutor... Meu primo morreu naquela última noite, em que brincávamos no terreno baldio.

- Hummm. Sr. Petardo, por favor, narre todos os detalhes dessa noite. Abra sua mente.

- Caravana Azul estava empolgado para aquele final de tarde. Cada um de nós tinha algum brinquedo debaixo dos braços. Eu levava a bola de capotão, costurada por minha avó diversas vezes. Caravana trazia um embrulho comprido amarrado a cintura e guardava muito segredo sobre ele. Claro que, eu e os outros garotos, o rodeávamos e riamos das nossas provocações a respeito do objeto misterioso.

- E os pais de todos estavam cientes deste encontro?

- Estavam e não estavam. Era só um encontro de turminha. Era super normal.

- Prossiga.

- Eu amarrei uma capa, feita de um pedaço velho de lona de caminhão no pescoço e transformei-me em Sir Moto Hansen. Nos espalhamos pelo terreno baldio. A brincadeira da vez era esconde-esconde.

- Mas, Sr. Petardo, um terreno baldio fornecia bons esconderijos? Pois afinal, você disse que era baldio. Algo próximo do desolado... Concorda?

- Ah sim, doutor. Mas havia restos de muitas coisas grandes. Tinha um tonel enorme e enferrujado. Uma tubulação de concreto parcialmente soterrado, a carcaça de um carro. Tinham duas arvores bem tortas também. E muitas moitas. Enfim, começamos o jogo. Só eu e Caravana tínhamos personagens definidos. Acho que por isso tínhamos mais ímpeto. Meio que controlávamos a brincadeira da galera. Saí em disparada e pulei na boca do cano semi-soterrado, neste dia. E os demais se espalharam. Num misto de pega-pega com pique esconde.

- E seu primo, Sr. Petardo? Onde ele se escondeu?

- Ele trepou numa das arvores tortas. Ele era bem hábil e esguio.

- Ah, ele era sim.

- Como disse, doutor?

- Prossiga, prossiga.

- Bom... Estava eu, perfeitamente resguardado, segurando a risada. Quando empunhei a bola que havia trazido e rapidamente a arremessei na cabeça de Marcos. Ai, ai, como foi hilário. Acertei em cheio na moringa. O garoto ficou todo desnorteado. Fiquei surpreso pelo choro.

- Então você atacou com força... Foi sujo e desleal.

- Como assim, Doutor?

- Típico de um gordinho preso numa capa, configurando um quadro ridículo.

- Com mil perdões, Senhor Lima, mas como chegou a tal ignomínia para com minha pessoa? Sei que a proposta da terapia é um discorrer aberto e sincero, no entanto, creio que o “aberto” e o “sincero” têm de partir do paciente, correto?

- Não se detenha em minhas observações, Senhor Petardo. Prossiga, prossiga.

- Mas... Ah... Eu... Eu... É o seguinte... A partir dessa bolada, Marcos foi embora. E levou os outros dois garotos consigo. Ele tinha um videogame. Pobre imbecil.

- Videogame que você desfrutava constantemente... Egoisticamente. E não o dividia com os outros.
- Como sabe?

- Estou errado?

- Não... Mil desculpas.

- Esqueça as brincadeiras. Diga, como seu primo morreu?

- Nós tínhamos brincadeiras bem estúpidas... Mas éramos jovens e...

- Pare com embolações, seu idiota. COMO SEU PRIMO MORREU?

- SAÍ CORRENDO DO CANO, PEGUEI A BOLA E A CHUTEI NA ARVORE DE CARAVANA.

- Por que fez isso?

- Porque Sir Moto Hansen... PERDIA SEMPRE!

- PERDIA O QUÊ?

- SEU BASTARDO! PERDIA O DESAFIO SUPREMO!

- Ah... Hum... Entendo. No que consistia este desafio?

- Cada um devia subir numa das duas arvores tortas e bradar seu lema. E o gordinho não conseguia subir... Jamais!

- Por que não mudou o desafio?

- O desgraçado do Caravana, covarde, disse que heróis têm que honrar os compromissos até o fim da vida.

- COMO ELE MORREU? VOCÊ CHUTOU A BOLA E ENTÃO?

- Eu o derrubei da arvore no momento em que ele bradava seu lema.

- Não precisa chorar.

- CALE A BOCA!

- “Eu sou Caravana Azul, seu terror!”.

- Como disse?

- “Eu sou Caravana Azul, seu terror!”.

- Caravana?

- Sim, Sir Moto Hansen.

- Bastardo, filho do cão. Desgraçado! Que tua alma apodreça.

- PENSOU QUE HAVIA DESTRUIDO O MAGNÂNIMO?

- VOCÊ ARRUINOU MINHA VIDA! MORRA! MORRA!

- AFASTE-SE, HANSEN.

- SOFRA, CARAVANA.

- CUIDADO! NÃO O FAÇA!

- É minha vez de bradar o lema. Vencerei você.

- NÃO! Sr. PETARDO! Desça da janela...

- “Oh, nada tema! Sir Moto Hansen é a força extrema”

- NÃO, PELO AMOR DE DEUS, Sr. PETARDO, NÃO ENCOSTE AÍ QUE A JANELA ESTÁ...

- AHÁ, ser bufante e perdedor. Te derrotei no derradeiro encont... AAAAAAA...

- ABERTA!
******
 
- O senhor quer dizer que ele caiu do oitavo andar ao perder o equilíbrio?

- Exato meritíssimo. Interpretando um personagem dos quadrinhos. Sir Moto Hansen.

- Eu lia estes gibis.

- Então, meritíssimo, ele se exaltou, pois dei a entender que era Caravana Azul.

- Eu lia este também.

- E Caravana era seu primo falecido.

- Por que o fez, se era uma farsa? Não chore!

- Queria aflorar a emoção reprimida dele.

- A emoção reprimida?

- Sim, a emoção reprimida.

- Culpado... Culpado... Culpado.
 

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Olavo Mariano amaldiçoou Ferreira de Tarso com tamanha fúria que lhe salpicaram gotículas de saliva por toda a mesa da taberna Alebeblê.

-... E espero que morra de engasgo com todo o grude insosso que tem me servido todos os dias. Paspalho!

Possesso, o aldeão empurrou a pequena mesa de madeira para frente e ergueu o corpanzil em direção a inexperiente servidora de aperitivos da floresta de Grumixama.

- E você, lagartixa? Por que ri? Desvairada do mato sirva-me Vespusiano Lara em copo de boca larga. Mas bote aí mais que meia dose. Já male-male eu posso suportar este tempero de cruz credo feito por Tarso. 


Um burburinho crescente flutuou até o ouvido do atarefado Ferreira de Tarso, que em sua cozinha pilhada de pratos e carnes, temperos e cereais, esforçadamente conseguia manter a pronta entrega de pratos fumegantes aos seus clientes. Bastou a voz rouca de Olavo Mariano acertar-lhe a aurícula para o mestre cuca largar meia pata de cabrito na pedra de corte e adentrar o salão obscuro da taberna.

- Muito bem, antão, que problemática vossa pessoa traz para minha aconchegante casa de comilança?

Olavo Mariano, general das tropas de Vovorovovo demonstrou grande satisfação por alcançar a atenção do proprietário gourmet, arqueando um sorriso aberto e de grandes dentes dentuços, contumazes moedores de novilhos.

- Teu prato do dia, vossa sapiência, é carregado de tempero, eu diria. Por acaso faz uso do mesmo sabor que deve impregnar teu sovaco para massagear as costelas do porco preto? Ou por ocasião armaste uma peneira de pentelhos e carunchos para coar tão rica variedade de molhos? 

Acostumado a atender ruminantes ingratos que viajavam encobertos por aquele trecho florestal de acesso pouco requisitado para o reinado de Vovorovovo; Ferreira de Tarso, num gesto muito usado como sutil ameaça, desdobrou as mangas de seu uniforme cor de creme encardido até a ponteira do cotovelo estar à mostra.

- Por acaso a estrada real lhe poderia ser de mais valia no gosto gustativo, bravo general.

- E não por isso, cozinheiro de mão amarela, exatamente este é o rumo que meus homens e eu tomaremos. Esteja certo que, tua cabana, taberna, seja lá como a chama, só fica intacta pela urgência que urge pela presença de meus bravos Touros (Soldados leais ao Rei Vovô Vinólio).

Proferido o alarmante discurso do enfezado, deu volta e meia para a saída, tilintando a espada na malha de aço, pisando áspero no chão de pedra. Seguiu-se então uma leva de vinte Touros que também lá haviam se deleitado com os pratos do dia, esvaziando a antes lotada taberna Aleblebê.

A inexperiente servidora de aperitivos da floresta de Grumixama, Moça Mariana Queteparta, a mais nova da família Queteparta, admiradas bruxas curandeiras, em seu primeiro emprego para conhecer a sociedade e todo o mais, notou de um pulo a falta das moedas de prata nas mesas recém abandonadas. Inclusive a raspa de cobre que lhe é de tão valia como gorjeta. Irritada, como se é de esperar de jovens em flor, sua face doce avermelhou-se inda mais e seus pezinhos bateram emburrados no barril de Vespusiano Lara. Pirraça que fez tremer o gourmet impávido.  

- Se me quebra um Vespusiano Lara de safra tão sublime como esta de oitenta e oito, lhe mando de volta para sua avó Senhorinha Mariluce. Não adianta bufar, Moça Mariana. O que seria dia de lucro acabou-se dia de desaforo. Reporei agora o estoque devorado, com valores que seriam um pouco de ti, um tantão pra mim, um tanto pra taberna. É o que se faz quando não estamos na Estrada Real.

E lá pela Estrada Real, riam de engasgar, de encher a bolsa com urina, os Touros e seu General. Gozavam da fortuna economizada à custa dos trejeitos executados por Olavo.

- E quando a marmota subiu seus panos para mostrar os bracinhos de pêlo eriçado? Mauá, Mauá, Mauá, Mauá!

- Ai que prazer, General!
Mauá, Mauá, Mauá! Já estava pelo colarinho de tamanha tristeza por ter que deixar uma raspa de cobre na gorjeta.

Um terceiro Touro enxugou as lagrimas do riso e emendou lá de trás:

- Flaviolouco, aquela queridinha que nos servia, tão bonitinha. Dar-lhe-ia com prazer uma raspa de cobre e uma raspa em seu tacho ajeitado. Reparas-te?


Mauá, Mauá, Mauá, Mauá, Mauá, Mauá, Mauá, Mauá...

E riram tanto que a marcha foi interrompida e assim, no afobamento, mais da metade do conjunto dirigiu-se a margem da estrada de cascalho para enfim libertar a bexiga com água de joelho, tal qual numa erupção iminente.

- General? General, que cheiro horrendo de putrefação. De onde parte?

- Mauá, Mauá! Parte de seu falo sujo, oh grosseirão. Mas é forte e insuportável. Pelos deuses, parte do meu também!

- Ah, General, meu gotejar faz borbulhas nas folhas de heliconia.

- Que dor horrorosa!  

Um a um, os Touros contorciam-se de dor. Tombaram na margem, sufocados pelo odor de vinagre e sangue. Olavo Mariano arrastou-se até poder tocar na rédea de seu cavalo. O quadrúpede relinchou de temor e afastou-se de lado, abandonando seu senhor e mestre, que logo ali derretia em sua própria urina.

Na taberna Aleblebê, Tarso caminhava por entre as mesas a contar os pratos e os restos de comida.

- Prôpala nos ajude! Tamanho rombo orçamentário. Amanhã tuas tias, Moça Mariana, virão aqui para o quebra jejum e nada lhes poderei servir. Por boa sorte ainda resta Vespusiano para acalentar o gelo matinal.

Moça Mariana meio que coçou a lateral da barriga e com um fio de voz falhada revelou sua arte:

- Meu senhor, peço-lhe perdão. Em nome de Prôpala, Morse e Utone. Ao primeiro reclamar do General, servi-lhe uma taça de Vespusiano; e seus Touros logo ergueram suas canecas e lhes servi também. Possessa com o destrato, servi a todos uma vez mais. E após, pouco antes do senhor ir dar com aquele bruto tratante, servi o restante.

Tarso suplicou em direção ao teto da taberna, palavras mudas, sem saber o que articular aos deuses. Um infortúnio de dia, uma má sorte ao pisar fora de sua cama. Apunhalado de todos os lados. Murcho como um saco velho de fécula abriu as mãos como um pedinte, impressionado com a diabrura de uma jovem tão delicada. A inexperiente servidora de aperitivos da floresta de Grumixama ainda não havia terminado a revelação.

- Mas, senhor Tarso, fiz o bem com o mal. A moeda foi paga de bom grado. Na segunda dose pude acrescentar Poeira de Vintém na bebida. Servi dançando abraçada ao barril para agitar a mistura. Um desvario que nós bruxas curandeiras podemos nos permitir ao menos uma vez na vida. Saiba que os matei por dentro e agora levarei toda uma vida para saldar as almas com curas por todo o vilarejo. Somos todas deste feitio, o equilíbrio entre o bem e o mal. 

- Minha filha, que mau agouro! Em morte, até mesmo antes, eles saberão que a mão fria lhes extirpou a partir de sua ultima estada em vida, e esta foi feita aqui! Não estou contente, saiba. Não aprovo! Estaremos à mercê da sua vingança, com uma nova vingança que virá daqueles homens! Que os deuses nos protejam.

Mais atolado em problema, o General Olavo capengou como um bêbado entre seus Touros trementes.

- Um guerreiro juramentado em nome da Majestade Vovô Vinólio, não será extinto por uma hipocrisia covarde e invisível. Olhem e escutem muito bem, já que não vejo destino outro senão o repouso eterno. Batalhemos uma última contenda. Vingaremos a vilanesca cilada. É claro que corre veneno em nossas veias. Mas de onde ele veio?

- Pegamos a peste na Taberna Aleblebê.

- É um fato que ninguém discutirá. Muito bem, Ovolonando.

- O maldito Tarso, senhor General. O maldito anteviu nosso calote e nos envenenou!

- Não, senhor General. Creio mesmo ter sido a gostosa que nos serviu o Vespusiano Lara.

- A bruxa!

-
UMA BRUXA?

- A bruxa, bruxa, bruxa da floresta.

- Maldição! Certamente, um conluio para nos derrubar.

- A bruxa e o cozinheiro.

- Nos serviu dançando!

- Agitando le barril.

- Misturando o veneno.

- Matando-nos por dentro!

- Pó de Vintém?


- Pó de Vintém! A bruxa!

- O cozinheiro!

- O tempero!

- O sovaco!

- Pen-te-lhos...

- Vin...

- ...gan...

- ...ça

- !
Um pouco, bem pouco, mais calmo, Ferreira de Tarso, gourmet e dono da Taberna Aleblebê, sentou-se com Moça Mariana para repassar os planejamentos que havia matutado.

- Enviei um coelho mensagem para a Vila de Vigoroso. Como sempre prestativos, já retornaram o animal com a oferta de mantimentos para nosso preparo. Chegará logo pela manhã de amanhã. Boa noticia; um tanto salgada no preço, mas ainda assim uma boa noticia. Também me preocupa a possibilidade do retorno do General Olavo Mariano...

- Ele está morto. Todos mortos, os Touros e o General. Pó de Vintém é mortífero.

- Mas tu sabes e eu sei e acho que qualquer ser vivo sabe que um espírito atraiçoado tem sua justa chance para carregar o executor consigo. Quem é o executor? Você? Não, doce menina, sou eu, você e qualquer um que aqui estiver. E sabe o que me deu na telha para fazer?

- Uma proteção?

- Uma múltipla proteção. Ajude-me a conjurar um feitiço. Guardaremos portas e janelas, mesas e cadeiras. Chaminé, armários, banheiro, fosso, nós mesmos. Tudo!

- Agora?

- Já. Sem demoras.

O galo cantou e juntou-se aos acordes da manhã, no vento noroeste, no eco do rio. A sombra da madrugada ia a cada segundo clareando-se do intenso negro ao violeta, ao azul escuro, ao azul claro. A marcha fúnebre e arrastada do batalhão de fantasmas esvaneceu-se a apenas alguns metros da Taberna Aleblebê. O último a ficar invisível foi o General que os liderava. Olavo Mariano apontou o dedo, tal qual uma bandeira hasteada, na direção de seu objetivo de morte. Em fúria, desapareceu.
- Parece tudo tão calmo lá fora!

- Feche a janela, garota. Não dê chances à moleza da sopa. Uma alma te agarra pelo pescoço e lá se vai umbral a dentro.

- Suavize sua tensão, cozinheiro. Dê o seu melhor, pois acabei de avistar minhas tias. Recepcione com boa comida a família Queteparta.

- Espere! A porta. Certeza que está bem protegida?

- Com o conjuro da “Minha Mãe Mortinha” até mesmo se arrancassem a porta, pela soleira nem o demônio ousaria entrar.

- Veja lá, antão.

Numa marola de dimensão paralela, os Touros observavam a primeira movimentação na frente da taberna. Mal acostumados com a vaporização de seus corpos, flutuavam a um palmo do chão, trespassando uns aos outros, descobrindo novas sensações de segurar uma pedra ou uma folha.

- Tem posições que posso ver minha mão a segurar esta pedra, mas se pisco, perco de vista minha própria pele cinzenta. Engraçado! Mauá, Mauá, Mauá!

- Cala a boca fantasma do abismo. Aquela velha de bengala está olhando em nossa direção. Largue a maldita pedra!

- Sim senhor, General.


A velha de bengala, Madame Brunela Queteparta, cutucou Esposa Ravenala e apontou na direção dos fantasmagóricos.

- Viu uma pedra danada flutuando?

- Vejo cada coisa quando estou com fome!

- Sentiu que nessa porta conjuraram “Minha Mãe Mortinha”?

- Sinto cada coisa quando estou com fome!

- Antão tá bom! Mas há de ter algo de esquisito pela aí.  
A inexperiente servidora de aperitivos da floresta de Grumixama recebeu com grande alegria e festejo sua família para o quebra jejum. Acomodou em uma única e grande tabula as sete avós que lá estavam famintas.

- Que saudades, sua linda.

- Sua linda, saudades.

- Linda, saudades sua.

- Que linda!

- Saudades!

- Linda!

- Quê?

Encantada por poder mostrar serviço útil às suas queridas avós, Moça Mariana abraçou a cada uma delas.

- E o que de tão bom vamos papar nesta manhã?

- Um momento, doce avó, um momento, minhas amigas. Vou ter com o grande Ferreira de Tarso na cozinha e já de pronto servirei estas lascas de pão preto e azeite.

- Faz muito bem, sua linda. Vá lá, vá.

Uma densa bruma avizinhou à volta da taberna e no alto desta bruma as cabeças do além flutuavam rente a porta.

- Por que não entra? Invada e bote abaixo, General.

- Não consigo! Pareço estancado, amarrado na maior das ancoras. Há algo de magia. Flaviolouco tente entrar pela janela.


O corpo do fantasma colou-se na janela e sua perna parou num arco de violetas. 
- Tampouco eu consigo entrar. Parece um muro de tijolos. Mas não tem nada, exceto as violetas.

- Eles conjuraram um feitiço de proteção.

- Sim. Tem razão.


- Os malditos!

- O cozinheiro!

- A bruxa!

- O sovaco!

A bruma moveu-se para a porta dos fundos. A porta da cozinha.

- Elas gostaram do pão preto, Moça Mariana? Foi também uma receita de minha avó. De avó para avós.

- Que demora a entrega dos mantimentos...

- Ouça, batem a porta. Atenda logo.

Enquanto três calvos senhores suportavam enormes caixas com uma sorte variada de guloseimas, Moça Mariana desarrolhou o tranco da porta da cozinha. Neste tempo, um dos Touros avançou de ombro para a fechadura.

- Vejam só! Sumiu o corajoso. Conseguiu entrar, ele...

- Estou aqui atrás, Ovolonando.

- Mas...

- Também não sei. Avancei na entrada e aqui estou.

- Podemos possuir um destes entregadores?

- Podemos fazer melhor. Pois talvez os entregadores não sejam convidados a entrar.

- Ué, dizemos que estamos com fome.

- Mas podemos possuir em grupo? São somente três homens e pequenos homens.

- Vamos fazer uma coisa mais invasiva.
Mauá, Mauá, Mauá, Mauá

Moça Mariana retesou os músculos do antebraço e com esforço deitou as caixas sobre a pia. Pagou oito moedas de prata aos três entregadores e fechou a porta. 
- Faça algo rapidinho, meu senhor. Minhas avós já começam a querer jogar magias na taberna para lhe apressar.

- Como anda minha sorte, é capaz mesmo delas destruírem o local. Já havia pensado em algo rápido. A água está a ferver e agora vou mergulhar este delicioso macarrão.

Cansado da maratona emocional que as últimas vinte e quatro horas lhe entregaram, o gourmet avançou no pacote de pasta, mas o caixote começou a se mover. Tarso praguejou por mais uma leva de ratos que possivelmente lhe haviam entregado junto aos alimentos. Chutou a caixa e agarrou apressado um feixe generoso de palitos finos compostos por ovos, farinha e anis.

- Maravilha na panela. Maravilha de refeição. Meu ganha-pão, macarrão, macarrão.

Afogou a massa na água borbulhante, chutou o caixote mais uma vez e retirou uma dúzia de tomates vermelhos.

- Molho saboroso, macarrão, macarrão.

As vovós, ansiosas com o aroma de ervas que preencheu o local, brindaram a bonança que estava por vir com a cristalina água feroz, recolhida em potes de mel nas madrugadas mais frias.

- Coma conosco garota. Hoje teu chefe mestre cuca vai te permitir esta graça. Afinal, somos nós que proveremos a féria.

- Muito eu concordo, Senhorinha Mariluce.

Dito e feito surgiu Ferreira de Tarso segurando um tacho enorme e fumegante. Pousou no centro da mesa o emaranhado brilhante de molho e massa.

- Boa fartura a todas.

Ao contrario da aparente lentidão que as velhinhas carregavam, seus garfos eram ágeis e ávidos. Enrolando-se como cobras matreiras nos fios tenros. As bocas miúdas sopravam e sopravam aquela quentura apetitosa.  
- Provem e me dêem um elogio generoso.

- Provaria sim, mas gostaria de saber o que são estas porcarias penduradas no macarrão.

O cozinheiro quase em colapso aproximou seu nariz do tacho de macarrão.

- Mas qual o motivo do insulto?

- Veja lá, cozinheiro. Nenhuma de nós vai comer.

Todas as avós baixaram o garfo cheio no tacho. Inclusive Moça Mariana que já estava a meio caminho da língua.

- Preste atenção nos fios do macarrão!

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Os Touros e o General Olavo Mariano escalavam os fios da massa, em formas diminutas, tal qual pedaços pequeninos de giz branco. Seguidos de perto por uma bruma que fazia às vezes de vapor.

- Preste atenção, eles praguejam. Mas que tipo de fantasma faz a comida de reduto?

- É o General que assassinei! E todos os seus soldados!

- Moça Mariana Queteparta, era assunto selado que nada de magia faria fora de nossa morada.

Assim, sem saída na situação, a garota contou a história em termos detalhados. Ao passo que Ferreira de Tarso volteava sua massa com o garfo de um lado ao outro, com temor e curiosidade.

- Mas é incrível. Ao mesmo tempo em que parece apetitoso, é repulsivo. Talvez exótico. Qual o sabor de um bom fantasma?

Ninguém ainda havia provado um fantasma. Mas o quebra jejum estava difícil de ser devidamente aproveitado. Pensaram em conjunto, o que pensava um fantasma para atrelar-se na comida?

- Pois é esta a receita que todo cozinheiro busca. $$$$$

- O quê todo cozinheiro busca?

- Um novo sabor.

- Tão caprichoso.

- Até parecem gostosos.

- Lembra algodão doce. : )

- Podem engordar!

- Podem matar! _ _

- Estão tão coladinhos...

-... aos fios de macarrão! 
Os fantasmas tinham um gosto peculiar, um gosto de não sei o quê. Naquela manhã, Olavo e os Touros foram degustados. O umbral é um lugar estranho quando se está dentro de um estomago. Era o pensamento que ecoava na cabeça daquele  agrupamento infeliz de almas penadas. almas penadas. almas penadas.









domingo, 12 de junho de 2011



 Na roça

Marcava a sola do pé na terra vermelha e macia do sitio Boi Mirim. 

Minha avó cantarolava uma moda enquanto misturava com colher de ferro as folhas de capim limão, hortelã e mentruz, num tambor cheio de álcool de cereais. 

Pernilongos pousavam na minha perna num movimento de estilingue, indo e voltando, enquanto eu estapeava a esmo o ar. 

Subi a escada do varandão e contornei a casa. 

Pulei no meio dos pés de alface e corri pelo vão entre as folhas crespas até o espantalho. 

Foi então que pisei no Teiú. 

Grande e gelado, ele serpenteou para o lado das chicórias. 

Puxei um bambu do espantalho e rocei a terra fofa. 

Estraguei metade das folhas que minha avó usava na salada e nada do lagarto. 

Ouvi um farfalhar no final das hortaliças e, aos pulos, cerquei o bicho. 

Então larguei o bambu e caminhei junto do Teiú até um pé de gabiroba.

O Teiú subiu em espiral pelo tronco e abocanhou um punhado de gabirobas. 

Deixou cair todas no chão e me disse:

- Essas são pra você e vê se me deixa em paz.

Na mesma tarde o Teiú foi esmagado por uma carroça.

Na cidade

Marcava a sola do pé no cimento fresco da calçada do prédio comercial Boi Mirim. 

Minha avó cantarolava uma moda enquanto misturava amêndoas e açúcar na panela do seu carrinho.

Pernilongos pousavam na minha perna num movimento de estilingue, indo e voltando, enquanto eu estapeava a esmo o ar. 

Entrei no hall do prédio e peguei o elevador.

Foi então que pisei no Teiú ascensorista.

Ele apertou o botão do último andar e subiu sem paradas.

Quando a porta abriu, ele disse:

- Tu tens gabiroba ou vou ter que lhe trazer?

Na mesma tarde o Teiú foi demitido.

quarta-feira, 23 de março de 2011



- Verifique também a possibilidade de jogarmos mantimentos extras para estas criaturas, Douglas.

O velho assistente Douglas Matrato apertou a fivela de arame da gaiola de patos e a ergueu com grande esforço na traseira da caminhonete.

- Madame Rita Rica Sá aguarda-nos, pontualmente, para as dezoito horas.

A camisa pólo do velho assistente, em listras azuis e amarelas, agarrou-se de tal forma à gaiola que se desfez quase por completo quando a estrutura quicou na borracha do veiculo. O psicoterapeuta Marcus Bono Pino, formando da turma de 58 na universidade Bobone, com três de quatro citações possíveis no quadro de prodígios mantido pela instituição, levou três dedos finos e brilhosos à frente de sua boca. Emitiu um estalo agudo que por toda sua vida foi o máximo de que poderia expressar numa risada.

- Vai ter sopa?

O doutor girou a aba do seu panamá e bateu a ponta da bengala no chão, arremessando três pedrinhas em seqüência, razoavelmente longe.

- Mas obviamente teremos sopa, caviar, lagosta e mais. Exceto pato, definitivamente não os teremos. Não mencione patos, não discuta patos, não aluda a patos, não cheire a pato, não se movimente como pato.

O velho fechou a tampa e fungou suas axilas.

- Impossível não cheirar igual a estas aves depois de carregar mais de trinta gaiolas. Passemos em casa e tomarei uma ducha.

- É compatível – Respondeu o doutor conferindo seu Dumont. 

Dezoito horas na mansão da Madame Rita Rica Sá. A construção de ares coloniais, isolada da vizinhança por metros e metros de um jardim bem podado e diversificado, ladeado por dois caminhos de pedra mármore, um rústico para veículos e outro polido, para elegantes passeios ou saídas furtivas para a cidade. Postes de ferro se multiplicavam em tamanhos diversos para sustentar os globos de iluminação, alternando a luz até a entrada principal.  

“Pim, Pim, Póm, Póm, Póm, Pim”. 

Soou a campainha.

Abriu a porta um homem baixo e careca, vestido num puído casaco de camurça, um jornal debaixo do braço e careta de poucos amigos.

- Boa noite.

- Doutor Marcus Bono Pino, psicoterapeuta cinco estrelas.

- Boa noite e até breve, doutor.

O pequeno homem caiu ligeiro pela esquerda, tão rápido quanto à seca saudação, abandonando o psicoterapeuta cinco estrelas e seu assistente. Prontamente o “ploc, ploc” dos saltos da Madame Rita chegaram até a entrada.

- Doutor, que prazer recebê-lo em minha humilde residência. Como me foi instruído, dispensei Weberklein, o mordomo, que acaba de passar por vossa pessoa. Também liberei as demais criadagens, Alzira, a cozinheira, Almir Cavalo, o jardineiro e Toloco, o meu descanso de pernas.

- Perfeito, minha cara Rica.

Atravessaram em marcha imperial por dois extensos corredores ornados por quadros de Miró e Cavalcanti. As portas, coadjuvantes do trajeto, todas elas cerradas e rotuladas com pequenas placas, advertiam que “Esta noite é a noite da superação”. Por fim, despontou a sala de jantar.

À meia luz de candelabros italianos, a mesa de vidro retangular coberta por um delicado linho de cor vermelha, os pratos de porcelana grega repetiam o padrão de pintura, três damas segurando ramalhetes de açucena num campo verde, esperando a sopa, a salada ou a carne. As panelas de bronze também já dispostas liberavam o aroma da culinária. Sem os serviçais, cada um colheu o seu bocado entre variadas opções. Doutor Marcus rodeou o tablado servindo o cabernet sauvignon.  

- Quando quiser doutor, estou preparada para a parte pratica.

Na saleta da lareira, doutor Marcus Bono Pino riscou o terceiro fósforo para dar continuidade à brasa de seu cubano.

- Ao assinar este documento, madame, estará concordando com o procedimento psicoterápico que empreenderemos nesta noite. Estará sujeita a todas as metodologias que aplicarei.

Ela apertou o vestido violeta e sentou-se com os quadris largos no braço da poltrona oposta ao psicoterapeuta.

- Confio em todo seu histórico de curas. Confio em teus altos custos. E me entrego, apesar do terror que me toma às suas experiências.

- Veja bem, o que farei aqui é altamente experimental. Acredito que tua aversão seja, talvez, a mais ficcional que já lidei. Não existem, até o momento, registros ou estudos profissionais de tua desordem. Acredito que a madame está sendo induzida pela fantasia de um escritor, um desenhista qualquer, que tenha feito alusão ao tema e este passou pelos seus olhos de forma galopante. Cá estamos para trazer-te ao mundo real.

O doutor espremeu o charuto no cinzeiro de pedra e caminhou para fora da saleta, parando na porta ao lado de seu assistente.

- Confronte, sem agressividade. Confie em si mesma. Você é forte e nada vai te abater. Fique em teu quarto até as vinte e duas horas. Saia e ande por toda a casa, ou até onde puder ou ter vontade. Vemos-nos às oito da manhã. Não se esqueça dos exercícios de respiração.

A mansão, em contagem regressiva para as dez horas da noite, recepcionou a marcha de patos desengonçados, que o velho assistente Douglas Matrato desembocou pela porta da dispensa.  

- Vamos topetudos, entrando, entrando. Patinho, patão, pata, patona.

E “quá, quá” pra lá e pra cá. “Quá, quá”, entrou casa adentro. Grasnaram cada vez mais alto os patos do mato.

Numa guarita, da entrada próxima ao portão, o psicoterapeuta, doutor Marcus Bono Pino montou guarda e observou de binóculos as janelas amplas da casa. Dez horas badalaram. Madame Rita Rica Sá calçou sua pantufa de veludo e apertou a cinta de seda da camisola púrpura. Respirou fundo e abriu a porta.

Douglas lançava por todo o andar debaixo punhados de insetos, moluscos, peixinhos, e grãos. Bateu os braços, curvado ao chão e os patos trombaram uns nos outros e nas paredes, desordenados, sempre adiante. Pedaços de batata no pé da escada. Dez horas e dez minutos, era hora de cair fora.

- Os procedimentos foram executados?

- Certamente, doutor.

- Fechou a porta da dispensa?

- Esqueci, doutor.

Doutor Marcus espremeu as linhas de sua testa e Douglas girou os dedos impaciente, ciente de sua falta.

- Volto lá?

- Não, deixe. Estarão os patos distraídos com a comida.

Deixados os patos e a comida, restou a madame Rita apalpando o corrimão com as palmas suadas. “Flap, flap”, ela escutava logo abaixo.

- Asas. Deus, o ruído de asas.

O coração da balzaquiana trotou ligeiro, vibrando sua garganta. A respiração soprou na boca seca. E pequeninos olhos negros como caroço de mamão despontaram no último degrau. A madame soltou um tonificado “Úúú” pela boca, recostando-se na parede. O pato mascava meia carcaça de peixe.

- Olhando minhas pernas. Maldito a olhar minhas pernas.

Ela contorceu-se, os nervos paralisados. Inspirou e expirou. Lembrou das inúmeras passagens pelo consultório do terapeuta, o plano para um confronto cara a cara com o motivo de sua fobia.

- Hoje ou nunca. Vamos lá, Rita Rica Sá.  

Deu quatro passos e pulou direto ao quinto degrau da escadaria. Infelizmente escorregou em um agrupamento maligno de mexilhões. O desbunde acabou já no corredor térreo, atiçando cinco topetudos que esvoaçaram como puderam para não serem esmagados. Rita, de face amarela, ergueu-se levando alternadamente um pulso e logo o outro pulso em direção a testa.

- Ai de mim. Não consigo mais. A dor, o horror.

O horror, logo o panorama do inferno grafou-se em sua frente, por todo o lado. Patos, patos e mais patos. “Quá, quá, quá”. O grito alcançou a guarita e despertou o doutor Marcus e seu velho assistente Douglas Matrato.

- Opa, começou. Opa, vamos lá.

- Doutor, como faremos?

- Não faremos nada até as oito da manhã. E já fomos pagos. E mais do que todo este trabalhão, teria que cobrar mais e a mulher está falindo, com seus quadros e toda sua gordura.

Posto que o doutor nada fizesse, Rita afogou-se num ataque de pânico. Gritou e correu como os próprios patos do mato, selvagem e balançando seus pés desengonçadamente com o veludo fino das pantufas resvalando nos bicos duros e sujos dos bichos.

- Vencendo a anatidaefobia, vencendo a ornitofobia. Eu estou! Eu estou!

Louca, com os olhos de caroço de mamão por baixo de sua camisola, tentando conquistar suas coxas. Sentiu a primeira bicada, um belisco leve e o grasnar da vitória dos patos. “Quá, quá, quá”!

- Ainda não!

Chutou a bunda de três patos retardatários que se empanturravam com milho, derrubou dois Miró e quatro Di Cavalcanti. Finalmente, esbaforida, cruzou a sala de jantar e deitou na mesa de vidro. Caiu a louça grega no chão, coisa que irritou os patos. “Quá, quá, quá,quá,quá”.  

- Socorro, doutor Marcus. Socorro, bom doutor.

A súplica chegou redonda na guarita e prontamente Douglas levantou-se.

- O que está fazendo, meu velho?

- Oras, não ouviu?

- Ouvi algo que faz parte dos tratamentos mais ousados e bem sucedidos. Continue o pife. Vamos, meu velho.

Os patos abriram um semi-circulo ao redor da mesa e interromperam a nojenta refeição no meio da bagunça. Madame Rita deslizou na mesa encharcada com abundante suor, ao tentar se por de pé. Ouviu então um grasno cavernoso e mais outro e outro. Saltaram das estantes de cristais, os patos mutantes, medonhos, gigantescos.

Os patos gordos, que alimentam grandes famílias, saltaram com suas carecas vermelhas e o peito explodindo em um marrom opaco. Caíram em pares na mesa de vidro. O pranchão, tão grosso, não suportou o bombardeio e partiu-se em quatro, levando ao chão estilhaços, Rita e os patos gigantes, suculentos, mutantes. “Ao ataque” diziam aqueles olhinhos diferentes, azulados, craquelados.

- Cruzes! Santo Antão.

Rita Rica Sá teleportou-se da sala de jantar, com cortes por todo o corpo, descabelada, espavorida. Como um trem bala, zuniu na cozinha e agarrou o primeiro cutelo pendurado ao lado dos famosos salames da colônia de Witmarsum.

- Desgraça fedida.

Varava o vácuo, tilintando em panelas. Com pequenos avanços, patos loucos foram golpeados e sucumbiram por cima de batatas e temperos. Penas duras salpicaram o campo de batalha.

- Vencendo a anatidaefobia, vencendo a ornitofobia. Eu estou! Eu estou!

A grande pata choca, enfurecida com a morte de seus amantes, galgou até os peitos da Madame louca e os buzinou com um bico voraz. As unhas de Rita, esmaltadas em rosa grená, estrangularam o pescoço da ave e esta borbulhou vestígios de ração até o último grasnopiro, o derradeiro suspiro dos patos amaldiçoados.  

Já em frangalhos, o medo corrosivo das criaturas destrambelhadas, deu lugar ao ódio, a fúria, a coragem de uma mulher posta em grande perigo mental. Agarrou o pequeno botijão de uma lamparina empoeirada e riscou o cabeçote do fósforo. A mulher e sua tocha, endemoniada pela casa, soltando os lampejos do bafo do capeta nas penugens do caminho. A luz do fogo destacou-se nas janelas e a silhueta chamou a atenção dos vigias.

- Esplêndido, Douglas. Como uma pintura em um churrasco caipira. A mulher finalmente assumiu o comando.

Oito horas da manhã. O psicoterapeuta Marcus Bono Pino encaixou o chapéu panamá e flutuou como um lorde até a dispensa da mansão. Douglas saiu de dentro da casa e reportou a situação.

- As paredes chamuscadas, a tapeçaria em frangalhos. Objetos inúmeros, em cacos. Incrivelmente, todos os pobres patos mortos. Alguns varados por flechas, outros tostados, decepados, retorcidos, pisoteados, depenados, alguns pendurados e torturados com grampos. Na cozinha, há um pato com ervas e batatas, parcialmente cozido.

O doutor espargiu sua risada afetada de um só estalo. Bengalou três pedrinhas no chão e ergueu uma samambaia que estava caída na saída da dispensa.

- E aqui está a corajosa, a vencedora, madame Rita Rica Sá. Descansando em sua glória.

Rita afastou o cabelo de seus olhos e sorriu com dentes trincados. Douglas empunhou o braço vermelho dela e endireitou-a de pé.

- Parabéns, madame. O caminho era de pedra e você foi uma das poucas a traçá-lo.

Ela piscou inúmeras vezes antes de se pronunciar.

- Patos, patos, patos. Adeus patos. Adeus doutor. Curou-me. Recomendo-te. Teu custo alto me salvou. Recomendo-te. Melhor não há. Patos, patos, patos. Melhor não há. 

Com uma gorda gorjeta em mãos, o velho assistente Douglas deu a partida na caminhonete. O psicoterapeuta  satisfeito, bocejou sonolento. E a madame, ela espalhou aos quatro ventos sobre os bons serviços prestados. Dizia sempre, no chá da tarde, em meio à reforma da mansão, para seletas amigas.

- Não se afobem em manias, não se percam em fobias. Ele é bom e eu recomendo. Quer mais uma fatia, Blavatsky?


***

terça-feira, 15 de março de 2011

Sem muita esperança passo em volta da praça Charles Bauder a procura de um almoço razoável e um local que atenda as necessidades do meu dia-a-dia. Junto-me a um banco de cimento  e fico a admirar as crianças que correm felizes em volta das arvores. As pessoas que caminham apressadas na rua, sem contemplar a paisagem agradável.

Pequenos círculos de grama, arvores de tronco largo, lirios do vento chacoalhando as pontas finas, legiões de formigas enfileiradas, carregando lascas de pão. No começo de uma primavera florida, todas as aves cantam  boas-vindas a natureza local. Natureza esta, emaranhada entre prédios de arquitetura moderna, arrojados e imponentes. E eu não poderei nunca alcança-los, mesmo se retornar ao vigor da juventude.

Invade-me uma nostalgia grande. Recordo da infância ao redor de praças inda maiores, sem entender o porquê de sempre ser levado para estes lugares, ás vezes sozinho, ás vezes em grupo, cheirando ao orvalho da manhã. Mas aqui é diferente, a paisagem me olha como uma brincalhona. Alguns velhos, jogam uma partida de xadrez, me dividem um lanche, como numa confraternização.

É tudo quase perfeito, se não fossem as pessoas que cruzam a praça, em ternos alinhados e vestidos ornados, indo ao trabalho como, aos meus olhos, grandes manchas cinzentas, deturpando uma perfeita harmonia. Homens e mulheres que me encaram com um olhar invejoso, raivoso.

Encostado na arvore ao lado de uma passarela, recuo com medo destes homens e mulheres que blasfemam contra mim, sem motivo aparente. Meu espanto é enorme, pois nada fiz que não seja normal. Ninguém, além destas manchas cinzentas e apressadas, se incomoda com minha presença. Sou apenas mais um. Finjo indiferença enquanto mordo mais um pedaço do meu lanche de ameixas, cedido aos tecos pelos velhos, este que me agulha em cólicas leves, tenho intestino meio solto. 

M - Que horror! Nojo, nojo, ai ai...

H - Cagão maldito! Meu terno novo. Essa laia, emporcalhando a  passagem.

M - Ai! Que nojo...

H - Como vou pro serviço deste jeito?

M - E eu? E eu?

Que gentinha desajustada ! Não ficarei a ouvir tamanha calunia a meu respeito. E mesmo porque,  estou mal do estomago, péssimo. Acho que terei que passar depressa pela praça para, realmente, evitar um embaraço. Eu não vou agüentar.

"Ui"

O pipoqueiro também esta a me xingar. Oras, disfarço bem um peidinho, dois. A expressão é das melhores. As crianças, elas correm e gritam até as suas mães. Onde está a bela harmonia? Onde está a brisa perfumada? O quê fizeram com o chão? Tudo vira uma tragédia. A praça cheira mal e as pessoas escorregam em algo sujo. Também quero sair.

"Ui"

Vou-me embora, vou voando de tão rápido.

"Ui"

Atrás de mim, os homens, as mulheres, os velhos, as crianças, à gritar:

– Maldito! Pombo maldito.

- Pombo sujo! Seu, seu, seu p o o o o m m m b o o o o o...

E eu, cada vez mais longe, cada vez mais longe.

.
.
.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Isqueiro

Após muitos testes comparativos, apenas os isqueiros transparentes vendidos em trens apresentaram relevância na manifestação atmosférica. Quem pode me julgar? Perdi apenas a ponta do dedo anular, compensado pelos 4.5 segundos à frente do tempo. Foto comparativa, antes e depois, via email:

pedrosa_maromba@bol.com.br

(Pedrosa Junior - Espírito Santo)


Manteiga de garrafa

Produção nacional. Tal combustível foi comprovadamente útil na criação de estímulos espaciais. A viscosidade tem aproveitamento de 100% com objetos eletrônicos. Esqueçam o pão e a panelada de frango. Comprem para estoque, junto com placas de monitores.

(Gino Bahia - da Lan House JTP, Bahia)

Caneta “Bic” com quatro cores

Artefato para escrita que vem sendo descontinuado pela população jovem, tem todo o potencial mecânico para construções resistentes a viagens temporais. Rosca em Z, grande carga de fluido, cheiro peculiar. Teóricos já debateram a exaustão a fórmula química das pigmentações. Este cilindro potencial sugere olhos atentos em sua fabricação e demanda.

(Caio Ponte Prado - Jundiaí, SP)

Apresuntado

O primo pobre do presunto tradicional é produzido com restritivas em seu conteúdo, dito como sendo de baixa caloria. Sabor saponáceo de aditivo desconhecido (pelo menos para mim). Um dos grandes comestíveis para alterações de tempo e espaço.

(Mafra M. - Apucarana, Paraná) 

Lambaris

São condutores de massa na passagem do tempo. Primo meu caiu no rio onde pescávamos e em poucos minutos desapareceu numa leva de Lambaris. São muito rápidos mesmo. Aguardo noticia do futuro com uma amistosa paciência. No dia de sua viajem, só lamentei ele não poder experimentar uma das muitas piranhas que pescamos.

(Francisco Fradinho - Zona Franca de Manaus)

Maionese

Em temperatura ambiente bastam dois dias para efeitos de distorção temporal. Possíveis futuros alternativos. Maionese pode ser um dos capacitores que não somente possibilitará viagem no tempo, como pode abrir dimensões. Aguardo boas novas em até dez anos.

(Dr. Ino Imamura - São Paulo, SP)

Terapia

Um terapeuta que faz terapia, paga a consulta oferecendo terapia para o terapeuta que o tratou na véspera. Um paradoxo de tempo cria o portal para o futuro do presente alternativo. Mas isto só ocorre ao lado do divã onde a pessoa se deitou. Uma viagem no tempo restrita, apenas para profissionais do setor. Uma pena.

(Dr. Mario Bardo - Araraquara)

*** sic***
.


“Talk show”

 
Jorge Gino Garcia

NA NOSSA MENTE



Vinheta moderna:

“ZuuuuuuuuuUUUUUUUUMMMMMM NA NOSSA MENTE”


O contra regra engatinha para frente do auditório e inflama as pessoas com uma salva de palmas:

clap clap clap clap clap

Jorge Gino Garcia descruza as pernas, sorri com todos os dentes e aperta de modo amigável o antebraço do entrevistado.

- Doutor Claus Silveirinha, quer dizer então, que todas estas mensagens sobre viagem no tempo, chegam através do Twitter e por e-mail através de colaboradores entusiastas de todo o país? 

- Sim, como bem vimos. Muitas das dicas ainda carregam certo ar de deboche, obviamente inevitável. Por conta disso, separei apenas as que aqui foram reproduzidas, por serem exatamente os meus objetos de estudo mais promissores.

- Poderíamos realizar um experimento agora, no palco?

- Mas é claro!

Doutor Claus retirou do bolso de seu casaco de poliéster duas raspadinhas de loteria. Entregou uma delas ao apresentador Jorge Gino, junto com uma moeda polida de um centavo.

- Esta, Gino, é uma das manobras com melhor avanço.

- Mas parece tão comum. Como é possível? Uma raspadinha da loteca?

- Exato! É a soma de diversos vetores. Nosso cérebro produz diferentes campos de força magnéticos no desenrolar de nossas emoções. A expectativa de receber uma recompensa ativa a fronte deste fabuloso órgão que emana zero ponto quatro joules em relação a sua densidade e a velocidade com que é produzida esta, digamos, aura.

- Mas qual é a relação, doutor, com a moeda de um centavo, por exemplo?

- Se rasparmos com uma moeda de um centavo, feita de aço inoxidável, em uma velocidade superior a da projeção mental, poderemos, segundo cálculos meus, viajar até vinte anos no tempo.

O apresentador descruza as pernas e firma os olhos na câmera 3.

- Vocês aí de casa. Os vejo em vinte anos.

Riu despojadamente e armou uma pose afetada para raspar a cartela.

- Podemos?

- Claro. É a primeira vez que coloco a teoria na pratica. 

Começaram a raspar freneticamente as raspadinhas. Jorge Gino ostenta um sorriso aberto e olhos arregalados na seqüência: bolinha, bolinha, bolinha.

Doutor Claus é pura concentração diante do resultado: quadrado, quadrado, quadrado.

- Meu Deus! Ganhei cinqüenta mil reais. Doutor? É premiada!

- Eu também, Gino. Ganhei um carro zero.

Jorge Gino se posiciona para a câmera quatro.

- Viajar no tempo? Talvez não desta vez. Uma dose cavalar de sorte? De ambos? Com certeza, meus amigos.

E a platéia explode em alegria. Diversos governantes sobem ao palco. Jornalistas caem no tablado como gafanhotos vorazes. Fotógrafos afundam o dedo no gatilho e milhares de flashs são disparados. Seguranças avançam um cordão de isolamento. Familiares do apresentador choram copiosamente.

- O quê? O quê?

O doutor desmaia na poltrona. O cartaz que as caravanas seguram, no que antes chamavam de estúdio de televisão, é uma visão muito bombástica.

Bem vindos ao ano de 2.031.

Viajantes do tempo.

Heróis!
 

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