sábado, 18 de setembro de 2010



As estrelas cadentes mergulham no infinito. Suas mãos tremem.

O sonhador se envolve nos tecidos. O dia mais esperado torna-se um fruto colhido.

O toque é macio e percorre a longa cauda. A escolha prazerosa paralisa o tempo. O campo de flores aveludadas é colhido, para dar passagem ao empelicado. Mais uma estrela deixa sua cauda soltar o brilho pelo tempo.

“Quais são as chances?”. Repete um pensamento solto no boneco.
Repleto de desejos enternecidos, que transpassam o tecido. Perfaz-se a perfeição de uma realeza infinita. Olhos lânguidos tocam as vitrines e adquirem uma aparência brilhosa, profunda. Uma visão que entrega torpor e é poderosa atração, que alvoroça a alma de andar delicado.

A cidade cinzenta em um conto de fadas. Está na rua das noivas, como um passageiro de sonhos castos. Entre todos os corpos sem vida nas vitrines, ansiando pela mesma chance. Entre todas as outras coisas, um entregará seus trajes ao ápice do desejo.
Desce o manequim do pedestal. Trôpego, febril. Palpita algo na caixa em seu peito. “Que é minha forma? Sou um amorfo?”.  Apalpa a tez rigida. Respira. O ato faz soprar de cada junta uma morna bruma. Os olhos borbulham. O plástico salga. É sua quarta vestimenta.

Este é o jubileu do manequim.

É o dia mais esperado na rua das noivas.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Leonardo rolou da cama embolado em seu edredom e caiu com os pés encaixados em um par de chinelos. Ficou de pé como uma cobra, sorrindo e com olhos miúdos em direção ao facho de sol que penetrava pela janela. Arrumou-se com um traje esporte e foi à cozinha.

- Bom dia mãe.

- Bom dia, Leo.

Ele apertou uma tangerina do cesto e rasgou a casca com o dedão.

- Parabéns, querido. Feliz aniversário.

Sua mãe o abraçou com carinho e ternura. Acariciou seu rosto liso e beijou-o na testa.

- Valeu mãe. Tem presente ou é só abraços e beijos?

- Claro, apressado. Tem, sim senhor. Já que está cobrando. Pode pegar no sofá da sala. Espero que goste.

Ele largou a tangerina na mesa e correu para a sala. Desembalou a caixinha deixada pela mãe no sofá e ficou contemplando o DVD.

- Fantástico! Fantástico!

- Gostou querido? Seu pai disse que você ia adorar esse jogo de guerra. Parece que acabaram de lançar. Foi bem caro. É bom que goste mesmo, escutou?

- Pode crêr que vou terminar ele rapidinho.

Leonardo foi para o quarto e colocou o presente sobre o videogame. Voltou à sala e ao abrir a porta da rua sua mãe o chamou.

- Léo! Querido... Vai aonde?

- Hoje é o meu dia, que dia mais feliz! Parabéns, parabéns!

Leonardo riu do tom de seu cantarolar.

- Vai passear. Mas não fica na baderna com os amigos e volta antes do almoço, pois sua avó vai vir aqui te dar um beijo e a noite seu pai vai te levar pra sair não sei aonde. Não beba, escutou?

- Tá! 

O clima fresco, o sol delicioso e as ruas quase vazias do sábado singelo. Léo comprou cigarros na padaria. Riscou três fósforos, até entrar na viela para bloquear o vento e acender um deles com propriedade. Soltou a baforada e sua pele arrepiou-se. Sentiu a tontura da primeira tragada matinal. Era o estomago vazio. O sol rebitou os olhos dele por um segundo e no caminhar de passos largos, o pé esquerdo enroscou-se num arco de aço.

Estava lá o montinho de areia e a pilha de tijolos da obra improvisada de um morador da viela. E nos pequenos arcos de aço entortados pelo chão, Leonardo tropeçou. E ao que caia, na fração infinitamente curta de tempo, sentiu o garoto um frisson estranho. Com este sentir, sua pupila captou o contorno das pontas de lança voltadas em direção a sua cabeça. Pontas de lança estavam presas ao chão para proteger ladrilhos valiosos na pequena obra não autorizada. Tamanho o aperto no peito acometeu Leonardo que suas mãos rígidas agarraram duas lanças cada uma e seu corpo parou em perpendicular apoiado a forte pegada. No baque da anti-queda, junto à dor do rasgo na pele e do sangue que espirrou no chão, Leonardo viu um vulto saltando de seu ombro direito. Um vulto que ficou nítido para o garoto. Um ser sem formas aparentes, despido e sem sexo. Sua cor verde escuro brilhava e tremeluzia. No peito um circulo laranja pulsava inda mais forte que a cor verde. Leonardo estava estupefato com a situação. Já não sentia dor nas mãos feridas e nem ao menos fazia força para manter-se na incomoda posição. O ser vibrante à sua frente ficou longos minutos o encarando com olhos brancos. Leo derrubava lágrimas reprimidas pela face e juntou toda sua força para indagar a estranha aparição:

- Quem é ? O quê? Pode me ajudar? Quem está ai?

A aparição se moveu pela primeira vez, desde que a situação se engendrou. Caminhou para o lado de Leonardo e sentou-se no monte de areia. Nestes curtos passos, seu corpo transpareceu de forma anuviada a paisagem urbana do beco e ao tocar os quadris na areia, parte dessa flutuou pelos pés e estomago da criatura. Sua voz levemente nasalada ressoou com gentileza:

- Leonardo! Sou uma energia vinda de outro acorde dimensional. Tu me conheces pela alcunha de “aniversário”. Não sou uma divindade. Não faço parte de um pensamento coletivo que me coloque nas barreiras do bem e do mal, como vocês as definem. Cabe a mim, por prazer e convenções antigas lhe assistir em todos os dias de seu nascimento. E no momento, eu ainda não posso ajudá-lo. Talvez não o faça de qualquer maneira.

O garoto gritou em desespero. Tomado pelo medo, sua voz soluçava o nome de sua mãe.

- Pelo amor de Deus, socorro!  Socorro!

- Estamos num tempo fixo, fora de sua dimensão. Tu estas perfeitamente invisível e inaudível. Tenha paciência. Verá sua família de uma maneira ou outra. Tenha calma, eu aguardo junto a ti a decisão.

Após uma espera extenuante para os nervos abalados de Leonardo, ele pôde engolir um fio de choro e com  olhos vermelhos e inchados, tomou a palavra para si no silêncio opressor:

- Eu estou morto. E estou no umbral e você é um demônio ou um anjo. Meu corpo esta paralisado e não sinto dor alguma, mesmo que olhe para minhas mãos e as veja cravadas neste par de pontas de ferro imundas. E você estava esperando eu tomar consciência disso?

- Pelo contrário. Está vivo. E me surpreende deveras! Tua força de vontade foi tão forte no momento em que se deu a queda que sua vida, já no sentido natural dos eventos, emaranhou-se numa teia de improbabilidades. E assim, nossas vibrações dimensionais, por um microssegundo, tocaram-se. E eu não pude me esvanecer. Portanto, aqui estamos.
- Você está dizendo que eu iria morrer hoje?

- Possivelmente. Mas é muito prazeroso sentir a forma humana da vontade. Quase posso vê-La. Está em outra dimensão.

- Mas... Como assim? Você é o Aniversário em pessoa?

O ser riu abertamente e pousou uma mão sobre o ombro de Leonardo.

- Sou isto mesmo, que vocês nomeiam “Aniversário”.

Aniversário passa a mão em seu peito laranja e derruba sobre a cabeça do garoto um liquido da mesma cor. Leonardo é preenchido com uma sensação de calma e alegria que o cansa de proferir qualquer outro som.

- Nomenclaturas, são palavras construídas pela necessidade de comunicação e sobrevivência do ser humano, ao longo de sua necessária evolução. Pontos chave da vida como nascer, morrer e passagens que vocês absorvem como rituais; amar, odiar, desejar, enfim, tem todas suas representações arquetípicas noutro plano. Sou uma energia racional que domina os impulsos necessários para contemplar e comemorar o nascimento de cada ser habitante deste tempo. Sou mais antigo que seu primeiro pensamento sobre o que é antigo. Não... Eu sei que pensa em religião. Mas não posso abranger nosso encontro enquanto seu caminho não for ponderado.

- Ponderado por quem?

- A única vez que um humano conversou comigo, foi por um descuido em um dia especial. Era aniversário de um pescador solitário no interior do Canadá e quando raiou o dia, tive a agradável surpresa de visualizar o Amor sobre um lago parcialmente congelado. Era a primeira vez que nossas vibrações se equiparavam ao mesmo tempo. E aquele azul profundo de contornos vermelhos acenou para mim. Claro que mesmo com minhas percepções lúcidas, logo fiquei fraco, pois a visão me consumia. No mesmo instante o velho Goodman acertou-me com uma machadinha. Afinal, lago congelado não permite pesca. Seria muito trabalhoso cortar o gelo.

- O amor?
 
- Sim jovem. E naquele dia conversamos sobre tudo na vida. Foi contra a regra, mas foi por amor. E tudo é perdoado por amor. O Perdão é tão marrom.

- Estamos contra a regra?

- Tantas perguntas, Leonardo.

- Você pode me retirar daqui e me pôr em casa. Meu pai quer sair comigo e minha mãe e minha avó vão chorar muito. Eu quero tanto viver. Por favor!

A aparição levantou-se.

- Nossa espera chega ao fim. Fique calmo Leonardo. Está entre amigos. Não haverá dor.

A mão brilhante empurrou de uma vez a cabeça do garoto e esta atravessou o ferro pontiagudo. O restante do corpo caiu ao chão com um baque seco. Na entrada do beco, uma senhora derrubou as sacolas e gritou por socorro.

- Não nos veremos mais. Foi um prazer, desde que você nasceu!

Leonardo ergueu o peito do chão e puxou seu crânio com violência da estrutura fatal. A dor excruciante tomou conta de seu corpo. Uma voz diferente, uma voz nova e potente fez-se ouvir por trás de sua orelha direita:

- Livre-se da dor. É só um resquício de sua carne. Conheça sua nova vibração. Limpe sua mente. Sinta-se lisonjeado pelo encontro com o Aniversário. Decidi o levar. Conheça-me! Compartilhe!

Leonardo virou o rosto para trás e não mais sentiu medo ou qualquer sentimento.

- Eu poderia apostar que você tinha essa cor! Bem que poderia!

Com a nova aparição,  sumiu numa fenda amarela.
Os nós dos dedos brancos! 
As unhas cravadas na palma. 
Ela revirou os olhos com a cabeça retorcida. 
A boca de dentes apertados.
O filete de sangue do lábio borrado.
Cabelo longo colado na testa. 
Narinas no abre fecha da respiração.
Trespassada a pele com prancha de metal, fez  barulho de durex em desalinho. Assoviaram os gritos naquele lugar longinquo. Na poça vermelha caiu a troxa branca de tecido humano. Presa na mesa, a boneca tremeu e arfou, choramingou e babou. Com um ganido medonho, o rabinho palpitou avidamente. O doutor costurou o avesso e vestiu a carne. E um trapo de pelos caiu ao chão. O cachorro é a mulher e a mulher é o cachorro. Uma obra de arte!
A mulher que não era, servia as visitas. 
O cachorro que não era, divertia a criançada. 
Cada qual a sua maneira, tão peculiar de ser.
A probabilidade de acerto é de 1 em 50 milhões. Seis dezenas a sua escolha. E o maior prêmio acumulado da história, 98 milhões de reais. As filas estão gigantescas. Até os mais incrédulos disputam os bilhetes. Cobertura massiva da mídia. Destaque em jornais internacionais. Até mesmo turistas arriscam suas chances. Ocultistas usam todas as cartas para burlar as estatísticas, desde tarô até clarividência. Vale contar a idade dos netos, a placa do carro, o tamanho das roupas, o numero do telefone, a chapa dos políticos. Qualquer matemática é a mais racional na cabeça dos apostadores.

Entrevista com Juliana Cândida, caixa da lotérica Maçã de Ouro:

“ Nossa! Está uma loucura. Durante todo o expediente fica uma fila enooorme. Estamos fazendo apenas meia hora de almoço e voltando imediatamente para o caixa. Ai, realmente estou estressada. (risos). Já nem olho para cara dos clientes, só números, números e mais números!”.

Sorteio transmitido ao vivo:

“ Atenção, a primeira dezena sorteada é... Numero 12.”

Gritos de alegria unem as famílias.

“A segunda dezena da noite, senhoras e senhores, é... Numero 13”

“A terceira bola... 14”

“Quarta dezena... Numero 15”

“Quinta dezena... Puxa vida... É a bola de numero... 16”

“Sexta e ultima dezena... Atenção... Numero... 33”

Um silêncio aterrador abate todas as casas. Não há nenhum grito vitorioso? A probabilidade é de 1 em 50 milhões. Quem será o sortudo?

O clarão desponta no céu escuro. A nave de luzes coloridas pousa silenciosa. O extraterrestre, com grandes e brilhantes olhos, pele verde e sebosa, passa por todos os presentes na sabatina do sorteio. Em suas mãos de dedos longos, finos e pegajosos, treme um bilhete da loteca.

“Xiplix Mat, Huna! Uhuuuuuuuuuuuuuuuuuuu”

“Xiplix Matt, Huna! Huna! Huna! “


A grana é conquistada pelo ser que nem ao menos constava nas probabilidades. Papéis são rasgados pela população indignada. E o vencedor parte feliz para a farra em qualquer bordel sujo dos anéis de saturno.

Sacanagem!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

"Slurp... Slurp... SSSSSSSssssssss..."

- DAVI!

"Slurp... Huuum!!"

- DA-VI! Moleque! Escuta!

- QUIÉÉÉ, MÃE?

- Não respinga essa porcaria de sorvete no meu carpete! Já te falei mil vezes, Davi.


- Ah mãe, não vai cair nada.

- Bem... Vejamos. Olha, toma esse dinheiro e vai lá na bomboniere do seu Oscar e me traz trezentos gramas daquelas gotinhas de chocolate com menta, tá?

- Ah mãe... Vô até lá só pra isso?

- Vai sim senhor, fazendo um favor pra mamãe. Calça o tênis e dá um pulo lá por que é pertinho e faz tempo que eu queria esses chocolatinhos. Dai eu deixo você comprar um doce pra ti.

- Tá bom.

- Traz um granulado também, pois você vai fazer doze aninhos na sexta e eu ja quero ir separando a receita do bolo. Você vai lembrar, Davi?

" Uhum.. Slurp..."

- Ai menino, termina logo esse picolé!

E partiu Davi lentamente para cruzar as quatro casas que o separavam da bomboniere do Seu Oscar. Arrastando seu par de tênis na calçada irregular, trazendo folhas secas e quilos de sujeira junto. Sua boca mascava o palitinho de madeira do sorvete, ainda com resquícios do sabor artificial do morango. Sua boca inchada e vermelha já ansiava por mais um tijolinho gelado.

" Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e ninguém vai nos pegar. Lálálá!"

E um pulo no ar e volta a caminhar.

" Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e ninguém vai nos pegar. Lálálá!"

E um pulo no ar e volta a caminhar.

" Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e ninguém vai nos pegar. Lálálá!"

Davi, já quase dobrando a esquina pra alcançar a soleira da bomboniere do Seu Oscar, congelou de desejo.

"SORVETE, SORVETE, SOR - VE - TE. Olha o SOORVETE! SORVETE, SORVETE, SORVETE!"

O queixo de Davi tremeu e a língua saltou a pontinha para umedecer os lábios. Seus olhos brilharam farpando o carrinho do sorveteiro com flechas imaginárias.

" Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e um sorvete vou pegar. Lálálá!"

Com as mãozinhas já grudadas na borda do carrinho branco, Davi, na ponta dos pés, mirou atento o poço de magia gelada e colorida do velho com avental branco.

- Vais querer um dos geladinhos, garoto?

- Vô, vô, vô.

- Que sabor tu gosta?

- Morango!

- Ah, sim. Meu favorito também. Sabe que tenho um de morango muito especial pra você.

E o velho revirou a pilha de picolés e abriu uma caixinha cheia de gelo incrustado do fundo do baú. Agarrou um pacotinho todo vermelho, no formato de uma maçã de amor.

- Toma filho. Morango especial! Este sorvete é de uma receita muito especial da minha família.

- Quanto é, tio? - Perguntou davi agarrando com as duas mãos a pedra de gelo.

- Sete reais.

E sem ponderar questões de valor, entregou sua única nota de dez reais.

- Aqui esta pequerrucho. Seu troco justo.

- Obrigado, tio.

- Espere... Escute... Se acaso gostar muito do sorvete, pode guardá-lo para todo o sempre contigo.

- Quê tio?

- Meu nome é Merlin e este é um picolé encantado! Somente privilegiados recebem esta dádiva das guloseimas.

- Ahhhhhhh. Merlin, o pirata! - Exclamou Davi excitado, com olhinhos expressivos.

- Não, filho. Não... Ãhn... Sou um mago. O poderoso Merlin. Rei supremo dos feiticeiros. Ah! Ah! Ah! - Disse o velho impondo sua voz rouca.

"Blah!" Expirou Davi, com olhinhos espremidos sobre o grande sorvete redondo e vermelho que segurava.

- Oras... saiba que ser mago nestes dias é muito dificil e... e...  garoto? Garoto?

Davi já havia entrado na bomboniere enquanto o velho mago lhe dirigia a palavra. Merlin retomou a caminhada injuriado com a falta de reconhecimento.

Na pequena bomboniere, Davi sentiu-se perdido pela grandeza do lugar. Muitas montanhas de guloseimas para quem era baixinho e muito jovem.

- Oh, olá pequeno Davi. Que vai escolher hoje?

"Slurp, Slurp, slurp, slurp."

- Mas que sorvete, hein? - Disse Seu Oscar sorrindo.

"Hum... Slurp, Slurp."

- Diga pequeno, o que sua mãe, dona Vera, pediu pra vir pegar?

Davi interrompeu as lambidas no sorvete, que até aquele momento era a coisa mais maravilhosa, sensacional e maravilhosa mais uma vez que já havia provado. Pensando que aquele sim, era um sorvete digno de um pirata. Dos mais corajosos. E também que era de um vermelho muito intenso e muito, muito, muito gelado.

"Mina bãe qué quisssss eu leve tessssssentassss glamassssssssss di... sssssssssss"

Sua lingua havia travado e as palavras não saiam. Davi estava em apuros lingüísticos. Ele sabia que tinha acabado de congelar a língua.

- Como é, Davi?

- Eu SSSSSSSSSssssssssssssssssssSSSSSSSSSS

Nenhuma palavra saía. O menino estava com um bloco de gelo na lingua.

"Ugh! Minha lingua esta que nem o sorvete e tem sabor de morango. O que um pirata faria?". Matutou Davi encarando fixamente Seu Oscar.

Então a bola vermelha em sua mão começou a cintilar e tremer.  Davi apontou aquela delicia na direção do Seu Oscar.

" DAVI GOSTARIA DE TREZENTOS GRAMAS DE GOTAS DE CHOCOLATE MENTOLADOS E UM PACOTE PEQUENO DE GRANULADO PARA A CONFECÇÃO DE SEU BOLO DE ANIVERSÁRIO."



Com olhos estalados de espanto, Davi abaixou o sorvete.

Seu Oscar começou a rir e ficou vermelho como pimentão.

- Uh-HuH! Ah! Ah! Ah! Pequeno, muito imaginativo, não?

E embalou o pedido enquanto Davi permanecia com os olhos arregalados, a boca aberta, olhando para o próprio sorvete, que não havia derretido nem um pouco.

- Toma pequeno. Vai pagar ou pendurar? São sete reais.

O sorvete voltou a cintilar e impulsionou a mão de Davi em direção a Seu Oscar.

" IREMOS PENDURAR, DE FORMA QUE A MÃE O PAGUE NO TEMPO CORRETO. "


- Hã? Ah! Ah! Ah! Sem problemas, Davi. Boa tarde.

E o garoto começou a retornar para casa.

"Como é fantástico ter este sorvete". Pensou. "Claro que este é um objeto cobiçado por todos os piratas nos quatro cantos do mundo. E ele congela minha língua e fala por mim."

Maravilhado ele chegou a sua casa.

- Ô MÃE! CHEGUEI!

- Ai que demora Davi. Já ia lá te buscar. Trouxe o que pedi?

"Uhum"

- Ué, que sorvete esquisito é esse na sua mão?

"SOU UM SORVETE DE PODERES MÁGICOS. SOU ETERNO E SABOROSO. AGORA PERTENÇO A TUA PROLE E DELA CUIDAREI."


Foi a bola de sorvete cintilante que falou, apontando-se para a fuça da mãe de Davi.

- Escuta aqui, ô coisa estranha. Você diz que vai cuidar do meu filho, é isso?

"SIM. AGORA E SEMPRE. EM TODOS OS ASPECTOS. TU JÁ NÃO ÉS NECESSÁRIA."



- Ah é? Então o senhor Coisa-Estranha pode me dizer, por que não amarrou o cadarço do MEU filho, que voltou com os dois pés desamarrados? Você tem noção do perigo que é uma criança andar com os cadarços estendidos? E se ele cai e quebra o pé, Deus me livre. Hein? E se ele tropeça e mete a boca no chão? Você não se preveniu? Que tipo de pessoa fala que vai cuidar e deixa passar um perigo desses? Você não vai ficar com meu filho de maneira alguma, ainda mais com esse desleixo.

"MAS...MAS... EU... Er... Ahn... BOM E-EU NÃ...NÃO PERCEBI... ME...ME DESCULPE... E-EU..."


E o sorvete foi ficando mais cintilante e do extremo vermelho, passou a ficar roxo e tremer demais na mão de Davi, que a tudo assistia de olhos arregalados.

- DAVI JUNIOR. TRATE DE JOGAR ESSA COISA FORA JÁ! QUE EU SEI LÁ ONDE VOCÊ ARRUMOU!

- Ah Mãe! É do pirata Merlin.

- NÃO INTERESSA, Davi. Joga fora e pronto.

E o sorvete tremia mais e mais enquanto balbuciava desculpas. Foi então que Davi, assustado, ameaçou correr para o quintal com intenção de jogar aquilo fora. Desegonçado, o pé direito pisou sobre o cadarço do pé esquerdo, arremessando o garoto ao chão, que por sua vez, arremessou o sorvete, em forma de maçã cintilante ao chão. E a coisa se espatifou em mil pedacinhos. Davi se levantou sem machucados e com uma baita cara de choro. Sua mãe o colocou de castigo no quarto, varreu a sujeira e mais tarde comeu todos os chocolates com menta. Desde o ocorrido, Davi permanece matutando, que teria sido melhor ter enterrado o sorvete. Isso é o que faria um pirata.

E cantarolou uma canção:

" Somos piratas e rumamos ao mar. Somos piratas e ninguém vai nos pegar. Lálálá!"
Gritava a ouriçada cozinheira do Sargento Marcos Gimenez:

- Lhe parto, cabeça de alho!

E balançava aos ares a grande faca afiada.

- Lhe furo, cebola nojenta.

E estocava o ar com a grande faca afiada

- Arranco suas quatro orelhas, pentelho!

“cataploft”

Foi ao chão a cozinheira com seus peitos enormes balouçando. Já fora do limite do quintal da propriedade, corria em velocidade o garoto de duas cabeças. Carregava em seus braços finos, uma panela cheia de sopa. Fumegava ao longe, cada vez mais rarefeita a fumaça, por entre o mato mais alto.

- Dona Deusdina, que balburdia é essa? – Indagou Aroldo, o mordomo da família Gimenez.

A mulher rolou para o lado e pôs-se a erguer todo o corpanzil. Fez figa com ambas as mãos e revelou seu caso:

- É coisa do filho do patrão, o Bruninho. Essa peste entrou na cozinha e disse logo que a lavagem tava pronta.

Aroldo coçou sua costeleta pequena, olhando profundamente nos olhos da cozinheira.

- Dona Deusdina, faça um bocado de esforço para não implicar com o filho do patrão. Toda essa farra por causa de uma brincadeira? O menino come todo dia sua comida.

Dona Deusdina passou resvalando os peitos no ombro de Aroldo, com tamanha força e brabeza que o desequilibrou momentaneamente. Antes de entrar na cozinha ela disse de voz firme e bem dita:

- O caso é que quando falou que a comida era lavagem, apareceu o Porcoso.

Aroldo franziu o rosto e seus olhos ficaram pequeninos. Coçou sua pequena costeleta e disse:

- Apareceu quem, mulher?

- Porcoso, Deus me livre. Irmão do Curupira. Veio fugido lá do norte. Uma criatura muito perigosa. Vive ai no meio do mato, tratando com seus amigos porcos. Nasceu com duas cabeças, uma virada pra frente que nem a gente e outra virada pra trás. É ligeiro que só vendo. Sujo que nem um chiqueiro. Aparece quando tem comida feita na hora e rouba ela quando alguém a chama de lavagem. Tão magro que parece cachorro de rua.

- Uai. Diga lá uma coisa. Você acredita nessa crendice amalucada? Onde já se viu inventar tal figura?

- Mais ô homem, se não quiser acreditar, não acredite. Fui eu que passei a encrenca. Agora me deixa que vou descascar batata. Sai daqui que o almoço tá atrasado.

O mordomo Aroldo mordeu um talo de salsão e deixou a cozinha com meio sorriso no rosto.

Bruno saiu debaixo do balcão e sentou de um pulo na pia.

- Tia Dina, eu vi o Porcoso também.

- Pois é menino. Você o viu roubando nosso almoço. Já tinha lhe contado dele e que não se deve chamar comida de lavagem. Isso é muita falta de educação.

- Mas tia, eu duvidava.

- Duvidava é? Afasta essa bunda da pia que eu vou partir a galinha.

- A Silvana vai querer ver.

- Ah, mas não vai ver. Deixa aquele bicho asqueroso bem longe daqui. Sua irmã vai bem querer tirar uma foto.

Bruno saiu correndo, rindo com muita empolgação.

Dona Deusdina aprontou uma mesa suculenta, repleta de delicias. Um estufado frango decorava o centro, com a pele dourada e suada, escorrendo um caldo perfumado nas batatas cozidas. O cesto de pães frescos, tostados e crocantes, chegava a estalar com o calor. O macarrão aguardava o repouso do molho de tomates com manjericão. A cozinheira sorria e entornava o espesso vermelho na massa quentinha.

- Agora sim, está pronta a lavagem. – Ressoou alto a voz de menino.

Caiu metade do molho no chão. E depois de um berro de raiva, Tia Dina agarrou uma colher de pau, muito grande.

- Seu menino arisco, sem respeito, mal educado. Agora vou te ensinar uma lição.

A cozinheira não viu a irmã do Bruno, mas ouviu sua voz alegre encher o ar com perguntas.

- E ai Bruninho, cadê o tal Porcoso? Cadê ele? Quero ver também. Você estava caçoando da Dina?

A indignada Dona Deusdina segurou a colher de pau com ambas as mãos e repreendeu a garota.

- Croma Silvana Gimenez, você encoraja seu irmão pequeno a ofender as pessoas. Será que seus quinze anos não te trouxeram juízo na cabeça? Dê-me uma boa desculpa pra não chamar o senhor seu pai até aqui.

Bruno afundou a cabeça na borda do vestido da irmã e ela tremeu tanto que derrubou a sua câmera fotográfica.

O garoto gritou, abafado no vestido:

- É o bicho porco do mal!

A cozinheira virou-se no puro instinto e deu com a colher de pau na cabeça dura do ser franzino e imundo em sua frente. A cabeça virada para as costas do Porcoso foi a que gritou da pancada. A cabeça virada pra frente só olhava para o frango quente em suas mãos. Assustada, Dona Deusdina virou-se para as crianças e largou o braço para trás novamente, na tentativa de acertar a horrenda criatura.

- Some daqui bicho asqueroso, fedido, malvado.

A colher de pau passou direto pelo vácuo e acertou a cesta de pães. Croma Silvana interveio:

- Ele saiu correndo. Vamos pegar essa coisa.

- Não, não irmã. Vou chamar o Tio Queijinho pra dar um tiro nisso.

- Ai Bruno, me solta. Nem foto eu bati.

E nessa fração de tempo, Croma correu em direção ao quintal, no rastro do estranho aroma impregnado no ar. Um cheiro de imundice com tempero de frango assado. Tia Dina, com as bochechas vermelhas, agarrou a apressada garota:

- Silvana, ô filha. Fala para o Porcoso: “Zás - trás, nó cego”!

- Quê?

- Fala “Zás - trás, nó cego” que ele se perde.

E foi a garota, com a câmera firme nas mãos. Ela via as duas cabeças se chocando em um único corpo. O mato aumentou de tamanho e tudo ficou mais denso. As folhas farfalhavam logo à frente. Croma também era rápida e cada vez chegava mais perto, no encalço do Porcoso.

- Atrás de um nó cego. – Ela gritou.

Agitada, ergueu a câmera e arriscou uma seqüência de fotos. Olhou no visor e arrepiou-se com as costas do Porcoso e um rosto horrendo abrindo a bocarra.

- Não está certo isso. Como era? “Zás, nó cego”.

O mato começou a rarear e ela ponderou a situação em que se encontrava. Já longe da casa, depois do matagal e à beira da floresta. A vegetação arbórea, a esta altura, engolfava os dois.

- “Zás - trás, nó cego”!

Porcoso diminuiu a marcha e as duas cabeças fizeram caretas mais feias que as suas feições normais. Derrubou o frango no chão e correu para a direita. Mal começou e parou indeciso. Correu para a esquerda e também parou. Voltou para trás um pouco e surgiu em sua frente a garota, que tomou um susto com o súbito encontro. Porcoso voltou pra frente e deu de nariz numa arvore enorme. A cabeça virada para as costas começou a chorar e de seu nariz o sangue escorreu. Chorava com um grunhido pavoroso. Croma sentiu o nó na garganta, bateu uma foto e saiu correndo e gritando, de volta para o lar.

Na casa a aguardavam, o mordomo Aroldo, o “Faz Tudo” Queijinho, a cozinheira e seu irmão.

- Ai minha querida. Que susto. Que perigo. Que imprudência.

Tia Dina abraçava a garota loira, afogando-a em seu corpo rechonchudo.

- É muito certo que eu vou dar uma bela espoletada nos garotos do vizinho, o Senhor Tobias. Ah, se vou. Não é Queijinho?

- Sim senhor, senhor Aroldo. Vamos espoletar essa molecada.

Bruno desgrudou sua irmã do abraço da cozinheira.

- Silvana, você é corajosa que nem eu. Deixa ver a foto.

Ela agachou e ligou a câmera.

- Olha ai que bizarro. Só consegui duas, meio tremidas.

- Nossa! Que feio. Muito, muito feio.

Queijinho, o “Faz Tudo” da casa, pegou a câmera das mãos de Croma, com seu modo brusco peculiar.

- Uma peça bem pregada. Pode deixar, viu menina. Esses moleques vão ter o deles.
Croma sorriu e pegou de volta o objeto.

- Crianças, fiz mais um pouco de macarrão. Vão se lavar que daqui a pouco eu sirvo.

Dona Deusdina olhou muito séria para o pequeno Bruno e este tampou a boca com as duas mãos. O que fez todos darem muita risada.

- Tia Dina, quem te disse que o Porcoso ia se perder se eu falasse “Zás - trás, nó cego”?

- Quem diz é o povo, minha filha. A gente acredita se quiser acreditar.


GIMENEZ, Croma Silvana. Novas Lendas do Brasil – Relatos Encantados Encontrados. São Paulo: Ed. Cipó ; 2008


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O lado B do Folclore Brasileiro


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Uma fagulha cruza o universo por uma era indefinida. Esta fagulha, azul e amarela, espoca nas mãos de Elohim. A fagulha luminosa se retorce e toma uma forma carnal, similar ao que viria a ser o homem. Elohim utiliza o planeta Terra para cultivar a vida. Ele cria um panteão chamado Egrégora. Para lá são enviados deuses de outras dimensões. Elohim os abandona para todo o sempre.

Na floresta mais densa:

- Vento! Devolva-me a carne. Oh servo da danação, que o fogo divino te cegue e minha fé em Elohim esmague-o. Liberta-me, pois não tens o direito.

Terra não pode mover-se. Os galhos de uma árvore podre trespassam seus braços, penetrando na barriga e entrelaçando a espinha.

 “Ronronar a revolta, renova a ruína, ruim, ruína, ruim e ruim. Ruma à relva, oh réu repugnante”.

O som gutural escorre pela terra lodosa e enjoa os ouvidos com seu tom putrefato. Vento encara o deus cativo, encurvado sobre uma pedra preto azeviche no escopo da nascente de um rio.

No panteão Egrégora:

 Água e Fogo observam a situação através das muralhas verdes de fumaça.

- Como pôde este demônio acumular tamanho poder em meio aos terrenos?
- Vento acumulou conhecimento da Natureza, bebendo na fonte ancestral. O que fazíamos neste ínterim?
- Mel, carneiros e ambrósia.
- Sim. E tu ainda sorris da onipresença, Fogo?
- Não tente o coloquial mundano em nossas moradas, Água. Deixe para Elohim e Terra, resolverem o entrave.

Luz adentra o salão. As muralhas de fumaça verde aumentam sua vazão e as imagens ficam nítidas.

- Olhe bem, com tua visão destreinada. Aro perfeito de liga prateada é o teu olho, Fogo. Só lhe concerne o imaginário tolo que inseriu na cabeça dos mortais. Fúria abominável, deus sol, derrotado!

Corado e nervoso, Fogo afastou Água de seu lado e afundou a face quadrada na fumaça.

Na floresta mais densa:

- Rutila a revoada. Rosto roto. Reclamo o receptáculo.

- Elohim não permitirá que uma força demoníaca desnorteie a humanidade e aqui estou, pelos deuses do panteão, para frear tua gana.

- Ralha-te ruminante.

Vento dissolve seu corpo sobre a pedra preto-azeviche. Um aroma de eucalipto envolve o lugar.

No panteão Egrégora:

Fogo balança a cabeça de forma negativa. Joga o corpo em um pequeno monte de plumas.

- Bobagem a contenda. Aquele ser não tem forças para nada. A figura do diabo é mais interessante que aquele porco feito de ar.

- O conhecimento que leio naquele ser é mais vasto do que o nosso.

- Terra é um humano com regalias de um deus. Confiei-lhe a missão de deter Vento. Você está certo Água, o conhecimento alimentou o poder de seu irmão.

Um estrondo percorre o salão e pelas cortinas de cetim passam Tempo e Espirito de braços dados.

- Luz, seu velho! Abra logo as palavras para o expansivo Fogo.

- Não passam de enfeite, esquecidos até pelos terrenos.

- Fogo... Há uma década, Água encontrou a Rosa dos Ventos. Estava nas mãos de Vento.

Fogo ergueu-se sobressaltado. As plumas chamuscadas, voaram ao seu redor.

- Pilhéria, meu irmão. O inferno não pode conter a língua traiçoeira de Água. A Rosa dos Ventos foi-se com aquele vexame do Mar Morto.    

Ao redor do mundo:

Direita
Um carro permanece, boa parte da manhã, engripado no poste. O resgate já conduziu o motorista acidentado ao hospital mais próximo. O guarda de transito desvia o fluxo de veículos para uma rua adjacente. Donas de casa preparam doces de amêndoas seguindo a receita dada na televisão. 

Esquerda
Seguem os protestos na praça em frente à sede do governo. O bloco de pessoas entoa canções de cunho político. Apinham-se cartazes com mensagens sociais imperativas. Na segunda investida do batalhão de choque, os revoltosos são por fim dispersos. A contenção progride em direção ao rio, em meio a pau e pedras. Os contidos dão ré, em meio a gás e borracha. Um pedreiro coça sua cabeça ao observar o erro de medida na junção de duas paredes.

Cima
Numa plataforma, o monitor repassa instruções de como proceder para um salto bem sucedido. Mas uma das garotas chora compulsivamente. Talvez o salto seja cancelado. Uma jovem executiva dobra a barra de seu vestido enquanto aguarda um café expresso da maquina nova.

Baixo
Para levar o cervo abatido até a vila, três homens se prontificam. O caminho menos tortuoso é pelo rio. O bote é antigo, mas agüenta, em seu limite, o peso de todos. A cabeça do cervo segue submersa na água.

No panteão Egrégora:

Luz acaricia um globo espelhado. O sol reflete a manta de ouro que adorna seu corpo. Harpas flutuantes ressoam ao redor. Som derruba os instrumentos no chão e se ajoelha ao lado de Luz.

- Está certo da posse da Rosa dos Ventos? Água me contou os problemas recentes, entes, entes.

- Foi vista através da muralha de fumaça. Vento a manuseia todas as noites. Está aprendendo os mecanismos.

- Mas a peça é gigantesca. A própria Natureza a cunhou antes de entrar em transe. O querido Vento está fora de eixo. Que farei sem ele, ele, ele?

- Demônio esfolado do abismo de Furfur. Vaga no planeta desde o sempre. Nunca se deu o trabalho de pisar aqui em Egrégora.

- Ouço seu resmungo rouco. Terra está preso em seu próprio Elemental. Natureza poderia salvar sua forma humana daqueles galhos, galhos, galhos.

- A folha da floresta goteja uma seiva em seu dorso. Só o Tempo responde quando se livrará.

Tempo surge sem sua face na frente de Luz e Som.

- Digo que não tenho mais passagem a responder. Agora, antes ou depois. Espírito sentiu o limite há pouco. A última trava da Rosa dos Ventos foi deslocada por Vento.

- Baixo ente. Com ele não quero ter. Elohim deixou-nos a Rosa como sendo a guia de direções para os humanos. A mim, me corroeu por todo o sempre a curiosidade de saber o que aconteceria se a última trava direcional fosse deslocada. Mas o ato em si, gera temor.

Estalos ribombam do raio que hachura o céu. A pele de Luz retesa como a de um velho no frio. Fogo corre em direção à muralha verde de fumaça.

- A Rosa dos Ventos foi acionada!

Espírito encarna o corpo de Som.

- Você fala em temor, seu patético. Tu és um deus. Que são os humanos?

- Lunáticos, sim eles são, Espírito.

Água escorreu temeroso pelo piso de prata.

- Não subestimem a humanidade. Acontece agora uma catarse no planeta. Eles estão descobrindo a nova direção liberada por Vento. Vão vir todos nos visitar? Preparem-se.

- Espírito? Olhe minhas chamas. Ceifarei muitas vidas que aqui ousarem chegar.

Ao redor do mundo:

Direita
A aeronave, com duzentos passageiros, inclinou suas asas para baixo.
- Já vamos pousar?
- Não, não. Creio que não. Mal deixamos o aeroporto.
- Mas eu queria mesmo mudar. Ir para lá. O que você acha?

Esquerda
- Queridos, hoje vamos numa excursão.
- Professora, nós vamos para lá?
- Vamos sim... Por aqui, para lá.

Cima
Dois amigos conversam nas areias de uma praia.
- E é por isso que eu chamei a Carla para morar no meu apartamento.
- Sabe que penso agora, numa consciência de estar aqui e existir no mundo? Poderíamos...
- Ir pra lá? Vou ligar para a Carla quando chegarmos.
E os dois se juntaram a uma pequena turma de pescadores.

Baixo
Um comboio do exército sai de uma estrada esburacada na mata.
- E dá uma vontade, senhor, de metralhar qualquer um que não deixar a gente fazer um reconhecimento. Entende?
- É o que todo desbravador faz quando se move para lá, soldado.

No panteão Egrégora:

- Rompante risonho, revela revolta!

Vento percorre de uma ponta a outra a Egrégora.

- Já é tarde, Vento. Tarde para censurarmos seus atos. Tarde para desfazer a percepção dos homens. Brinque à vontade. Aguardemos a chegada de todos. É o momento de uma nova hierofania.

- É engraçado. Vejo as primeiras pessoas avançando nas novas terras. Qual poderia imaginar que além da direita, da esquerda, frente e atrás, baixo e cima, poderia ocultar-se uma direção completamente diferente? Pudera eu que tudo sei, ainda ter estas surpresas.

- Não, Espírito. Ainda pode se surpreender. Veja quem chega antes por nossas portas.

Terra passa por todos, sujando de lodo o caminho. Vento o encara com um sorriso aberto. Terra zune uma espada no ar e a crava no peito de Vento.

- Ele sangra! Oh Elohim, que mal foi liberado em ter alterado a Rosa dos Ventos?

Água abraçou Terra e cochichou em seu ouvido:

- Somos humanos, enfim?

- Foi o preço da catarse humana.

Os deuses debulham-se em lágrimas, desorientados pela Egregóra. Clamando pela força criadora maior, silenciosa em sua eternidade.

- Elohim, Elohim. Onde está tua força?

Uma nova direção:

- Olhe aquelas pessoas, filha. Parecem perdidas e confusas.
- Papai... Já que chegamos até aqui, que é lá, antes, quando havíamos partido, podemos fazer o que quisermos?
- Eu também me sinto estranho, filha. Mas eu tenho uma arma.
- Se o senhor tem uma arma é melhor começar a usar. O brutamonte de rosto quadrado está vindo com tudo na nossa direção.

“Atenção, aqui é o exército da ONU, afastem-se do perímetro e aguardem instruções”

- Permissão para abater a ameaça senhor.
- Deus! De onde surgiu aquele carniceiro?
- Ele veio... Aparentemente... De lá, senhor.
- Elimine, elimine o alvo, soldado. Vamos civilizar esta bela região. Há muito a se fazer.


sábado, 11 de setembro de 2010


Cansada de esperar a passeata contornar o quarteirão onde morava, Croma Silvana levantou-se da escada de sua casa e pôs se a caminhar no meio do alarido da multidão. A temporada de festas em honra de Santo Pardinho do Abaluê estava em seu penúltimo dia e a caminhada tradicional de um milhão de passos carregava toda a população da cidade de Pardo até o ponto mais alto da região. Croma Silvana girava o dedão pelo gatilho de sua maquina e batia fotos a esmo dos muitos fiéis.

- Madre de Deus. Ó Madre de Deus. Ó Abaluê do Pardinho. Salve a fome do povo.

Dos gritos do negro esquálido, fizeram meia lua em volta do desvairado. Croma ergueu a câmera no buraco de corpos que conseguiu atravessar e saiu disparando. O negro tremeu o corpo e saracoteou como um possesso, pisava pé ante pé no contorno cada vez mais espaçado das pessoas.

- Ó Santo Pardinho. Dá-me um bocado de comida. EU me farto com um pouquinho.
A multidão debandou cascando de rir. Croma Silvana agachou na frente do negro esquálido e perguntou seu nome.
- Seráfico Bonfim. Trinta e oito de vida. Vinte de fome, pois foi com dezoito que larguei mão da boa sorte e sofri a passagem da fé. Dez anos de devoção. Foi quando encontrei o caminho da boa marcha de Santo Pardinho. Cinco anos de chão frio nas noites desse interior perdido do mundo de Deus. Três minutos do tempo que me humilhou o populacho e chegou você com teu cabelo de ouro.

Croma Silvana encantou-se com as palavras populares de Seráfico e seu discurso proeminente. Percebeu logo a importância folclórica de tal personagem.

- E diga tão sofrido projeto, por que deste forte grito em sua fala?
- Moça bela, parece alheia as minhas palavras, apesar de ter se aproximado gentilmente. Por acaso faltou clareza no meu anseio de fome? Pois é fome exatamente o meu protesto.
- Eu entendo Seráfico. Encantou-me seu desempenho teatral. Penso agora numa ponta de destino, pois ao meu passo curioso, no exato momento, te vi surgir neste canto.

Croma Silvana riu da estranha figura e girou seu gatilho novamente para disparar novas fotos. Seráfico Bonfim sorriu e ergueu-se de um pulo.

- E tem destino mais eficiente que fazer clamores no momento em que mais se apinha gente nessa romaria? Aproveito a oportunidade. Você mesmo, loura, viu que logo riram de meus modos.
- Vamos comigo até o fim da pequena jornada religiosa e de lá procuramos juntos algo para jantar. Que tal?
- Claro que sim. Aceito. Mas se pensa que eu paro de pé, como uma vara de pau, sem nem ao menos o café...
- Uma queijadinha na Dona Vera e podemos ir.

E foi-se Seráfico seguido por Croma. Ele abria caminho com facilidade pelos devotos, que evitavam a todo custo contato com o mendigo. Quarenta passos contados até a queijadinha. Alguns segundos para engolir três bolinhos.

- Então “doninha”, ainda me quer até o jantar?
- Não sei Senhor Seráfico. Trate-me respeitosamente e podemos chegar lá.

O negro espremeu os olhos e limpou os dedos engordurados na calça puída.

- Oxalá... Saiba que sou de paz.

E as horas do dia foram preenchidas por diversas atividades religiosas, supersticiosas e algumas esdrúxulas (quiçá todas fossem). No "clic" de sua fotografia, Croma Silvana registrava o máximo possível.

Um septuagenário deitou-se atrás da carroça de bois e segurando firmemente no laço que sobrava da traseira, foi-se arrastado, comendo poeira e cantando com a multidão

Uma mãe jovem, pele morena estilhaçada de sol, empurrava uma carriola com seus quatro filhos homens.

Um matuto esvaziara a garrafa de alambique em sua esposa.

O padre chibatava seus três pupilos. Um deles carregava Santa Madalena de Dias Plenos em gesso.

Outro que chibatava, era o suado dono do burro. Louco por continuar a caminhada, paralelo ao santo da festividade.
Quatro e meia da tarde e a íngreme escarpa já castigou o que pôde do povo crédulo. Pararam os padres, parou o bispo. Estacionou o santo.

- Sem a oração, nunca pode uma alma produzir bons frutos. Poderosos somos nós que aqui, a partir de agora, rezaremos.


“Mimimimimimi
Oh santo Pardinho perdoe-nos,
Mimimimimimimi
somos dignos. Oh Abaluê.
Mimimimimimimi
Mimimimimimimi
Na prata da casa.
Mimimimimimimi
Proteja-nos!
Mimimimimimimi
Misericórdia.
Mimimimimimimi
Estamos gratos.
Mimimimimimimi.
Amém!”.



Croma Silvana não rezou o “Mimimi”, tampouco Seráfico.

- Que estranho burburinho! Nunca ouvi nada igual.
- Loura... essa coisa sempre me causa arrepios. Até da pontada no peito.

O gordo gritou, do alto do cesto que carregava a imagem sagrada. Abrindo os braços, mostrando as marcas de suor:

- FALTAM QUINZE PARA AS SEIS!

Seráfico apertou a mão direita de Croma e a puxou.

- Vem comigo, pois a coisa vai explodir!
- Que vai o quê? Se-Seráfico que ocorre?

E a multidão disparou desvairada, em risos e choros. Gritos loucos, no corre ladeira. O pó que levantou, cobriu os topos calvos e as cabeleiras. Era corrida e tossida. Croma e seu amigo tropicavam de lado no cata cavaco, esbarrando com medo, até debandarem de bunda no trecho de mato. Também estavam descendo, mas no lado contrario da escarpa.

O vento balouçava os arbustos e filetes de um sol vermelho que desaparecia no horizonte. Acima da terra, as estrelas começavam a se interpor no céu azul escuro. Duas figuras assistiam o final do dia e escutavam ao longe a turba, que havia partido em desespero.

- Seráfico? O que aconteceu que fez as pessoas correrem como se fugissem do diabo? 4
- É assim que sempre foi. Assim o é. Como fez São Pardinho do Abaluê! As seis da tarde abandonou o diabo que o tentava na montanha, pois Deus lhe enviou um sinal. Às seis da tarde, seu estomago roncou e uma fome lhe arrebatou. São Pardinho negou as ofertas do diabo e correu para seu lar. Lá ele se refestelou num grande banquete.
- Uia! E é por isso que correram?
- Quem faz o trajeto e permanece aqui, como nós, no relento, após as seis horas da tarde... É enganado pelas artimanhas do diabo.
- Então lascou-se, homem.
- Credo em cruz!

Seráfico cruzou o “Pai nosso” no peito e encolheu o joelho.

- Mas então, que lhe passa na cabeça que não saiu correndo?
- Eu perderia a senhora de vista. Tu não viste a poeira que desgraçou toda a vista? E além do mais... Pela fé ou pela crença criativa desse povo... Fico EU mais o MEU jantar.

Croma corou as maçãs de seu rosto e riu do esquálido homem. Os dois puseram-se de pé e bateram o pó do corpo. Terminaram a descida guiando-se pela luz opaca da lamparina de uma cabana. Na entrada, um bode de três patas fungava uma tigela de água. Três moscas volteavam uma galinha branca e um gato sem rabo rolava pelas tabuas do solado. Croma e Seráfico avançaram exaustos, bateram na porta e prontamente ela foi aberta.

A loura bateu uma foto com flash assim que o vulto esgueirou sua cabeça para fora. O homem calvo e de nariz afilado fechou os olhos e abaixou a cabeça. Croma gargalhou e Seráfico permaneceu imóvel e inexpressivo.

- Desculpe-me senhor. Ai, ai, ai. É que sou fotógrafa e passo por essas bandas para tirar fotos espontâneas. Eu sei que nem de longe você esta acostumado com a luz de uma legitima clicada.

O homem a mediu de cima a baixo e com um sorriso de dentes amarelos a respondeu:

- Não sei se entendo suas palavras. No mais, convido-a para entrar. Se você esta vindo da procissão, digo que esta perfeitamente atrasada para os deveres.

Seráfico agarrou novamente o braço de Croma e fez menção de puxá-la para a direção oposta a da casa. Ela por sua vez, desvencilhou-se da trêmula mão e adentrou.

- Vem Seráfico... Vamos conhecer.
- Vem Seráfico... Vamos nos conhecer. – Repetiu o calvo homem de avental vermelho.

Cochichou Seráfico no sopé do ouvido da loura:

- Muito irresponsável entrar numa casa erma de um estranho.

Ela retorquiu no cochicho:

- Muito arriscado, pois aqui ninguém sabe quem é quem. Ele está na mesma situação que nós!
- Onde estamos senhora...?
- Ah... Estamos no sentido imediatamente oposto da cidade... Era isso que eu dizia a meu amigo. Alias, me chamo Croma Silvana e este é Seráfico Bonfim.

O homem puxou duas cadeiras e os fez sentar. Quebrou o gelo com risadas e perguntas corriqueiras. Fez-se de assunto e indagou sobre novas histórias. Ficou-se sabendo que seu nome era Montalbano e vinha de uma cidade afastada do outro lado do rio.

- Bom, é sempre um prazer receber visitas. Como hoje calhou de ser um dia religioso, estava eu a preparar um jantar de devoção.

Seráfico finalmente ergueu a cabeça e falou:

- Ah, quanta honra participar de tão digna refeição. Espero estar apto a provar sua culinária, Monsenhor Montalbano!

Os dentes amarelos riram de baterem-se uns aos outros.

- Ora, Seráfico... Há muito não me nomeavam por Monsenhor. Digo a vocês que tenho um forno recheado das mais deliciosas tentações.

Croma e Seráfico se entreolharam.

- E o que seriam essas guloseimas?
- Diversos traços comestíveis. Cor sim, cor não. No baile dos quadrados, lhes sirvo qualquer coisa em xadrez. Hoje, havia eu decidido degustar uma suculenta carne de bode. Trançada e riscada a faca. Amolei na lua dos chorões... Magníficas e tristonhas arvores do fim do mundo.
- Qual o quê? Bode? Este que tem três pernas?

Pela única janela do recinto feio, pequeno e surrado, incidiu um facho de luz vermelha. Por um momento, os três ficaram de cor sanguinolenta e as sombras dos poucos objetos inclinaram-se, uma por cima da outra. Cada pequeno quadrado parecia grudar na pele e este mosaico cerceou toda a pequenez daquilo tudo.

- Olhem, olhem! – Bradou Montalbano. – O sol voltou para uma ultima espiada.

Croma se assustou e ergueu instintivamente sua câmera. O fogão enferrujado começou a ranger. A porta do forno abria e fechava e dela saia uma fumaça de aroma delicioso.

- O forno! Olhe o forno! Esta se movendo... Está gritando! – Bradou Seráfico jogando-se por debaixo da mesa.

Do teto, serpentearam lingüiças caseiras que se retorciam de um lado a outro. Montalbano com um pulo pousou sobre a mesa. Com as mãos na cintura do avental, ele ria sonoramente. A cabana começou a rodar e como num caleidoscópio, as cores se alternavam sobre as pequenas dimensões. Croma Silvana clicava sua maquina a esmo, admirada com os eventos.

- Santo Abaluê do Pardinho, proteja-me de todo o mal. Resgata minha alma. Me tira deste mau bocado.

- Você é meu bode, negro Seráfico. Já se esqueceu de sua pena da romaria passada? Você que ousou vagar após as seis, blasfemando. Rindo do diabo. Passando fome. Lembra de como fui generoso? E de como lhe ofereci do bom e do melhor?

E Seráfico levou as duas mãos a cabeça e passou a chorar.

- Eu tinha fome... Você era diferente...

Croma Silvana, pela primeira vez, ficou com medo. Foi caminhando de costas, alheia em participar daquele quadro, até encostar as costas na porta da entrada.
Montalbano passou a expelir fumaça de suas narinas e seus olhos borbulhavam labaredas. Suas botinas estouraram e delas saíram pequenas cabeças enrugadas e disformes e das pequenas cabeças saíram línguas bifurcadas e das línguas bifurcadas brotaram olhos e deles abriram-se bocas e das bocas saíram batatas cozidas e do vapor das batatas refletiram-se Seráfico e o demônio. E no vapor vítreo, Croma, petrificada, assistiu o empalamento de seu amigo.

O Seráfico de carne e osso rezava todos os cânticos, ajoelhado sob a mesa. Sua boca tapou-se com uma grande maçã. Croma gritou:

- Corre homem de Deus. Salva tua pele.

Ela abriu a porta e o cabrito de três pernas voou em seu peito, derrubando-a sobre a mesa. A fraca madeira desabou e ficaram estendidos, Seráfico e Croma. Montalbano em sua forma horrenda permaneceu a flutuar. Um rodamoinho varreu a cabana.

Croma acordou. Sua primeira reação foi apertar a câmera envolta de seu pescoço. Olhou para frente e viu Seráfico retorcido numa assadeira. O gato sem rabo, com a altura de um homem comum, pincelava melado no corpo nu do negro. Croma bateu uma foto e o gato esgoelou seu miado. Montalbano, em sua aparência normal, agachou sobre Croma e assoprou gentilmente seu rosto. A loura foi arrastada porta a fora pelo sopro e continuou no embalo morro acima. A cabana diminuía de tamanho e entrava por terra abaixo.

Suja dos pés a cabeça e toda arranhada por espinheiras santas do caminho, Croma Silvana andou até o centro da cidadela de Pardo. Amanhecia no vilarejo e os pequenos comércios abriam suas portas. A encardida garota sentou-se numa mesa do mini mercado e pediu uma cerveja. Logo o dono do local puxou assunto e também seu ajudante fez gracejos. Croma narrou os fatos que marcaram sua noite fantástica, o casebre no meio do nada, o anfitrião demoníaco, o jantar quadriculado e seu amigo Seráfico; cuja pessoa, ninguém nas paragens nunca ouvirá falar. Poucos dias depois, revelou suas fotos, muitas belas e coloridas; infelizmente, após as seis horas, todas as imagens tiradas, eram nada mais que hachuras e um vulto borrado.


GIMENEZ, Croma Silvana. Novas Lendas do Brasil – Relatos Encantados Encontrados. São Paulo: Ed. Cipó ; 2008

quinta-feira, 9 de setembro de 2010



Folha de cipó - Caderno Cultural - 20/03/2078
Humberto Donato do Espaço – Da sucursal em Saturno


Vanderlático Galáctico Soares Barbosa era de Canoa Quebrada, paraíso cearense. Terra do calor estafante, do mar quentinho, do turismo disputado. Artesanato caprichado de preço elevado, “quanto mais embolado o sotaque, maior o valor”. Peixe fresco, tipo exportação; camarão até ficar alérgico; pimenta caseira com gota de suor; pele bronzeada, bunda arrebitada. Homem, mulher, família, criança. Cenário de novela, barraca armada, muito vento. Ceará, terra do sol, de trabalhadores da história, para a história. Da figura do cabra homem, desperto na fúria em busca de alento.

O caso é que Vanderlático Galáctico Soares Barbosa carregava nos genes herança paternal de muito apreço pelas coisas do universo. De longe notavam a peculiaridade espacial de sua pessoa. Numa Canoa Quebrada, isolada naturalmente da corrida tecnológica pós-modernista, a maresia sempre ia de encontro ao baixinho sardento, marrento de cabelo mirrado e óculos foscos. Andava lá o doutor, assim chamado pela população minúscula do paraíso.

“Que doutor o quê”! Retrucava Vanderlático.

Sempre muito discreto. Reservado com os vizinhos, quieto na dele, enfurnado dia e noite dentro de casa. E só andava lá nos arredores para recolher pacotes no correio. A cada semana uma encomenda chegava. Uma caixa maior que a outra.

“Ô dotôzinho, que mala é essa”?

“Que doutor o quê”!

Assim, causando o maior burburinho local, passava de lá a cá o Vanderlático. Morava bem o macho rei. Filho de garanhão holandês, que deixou boa quantia de dinheiro antes de sumir de vista. Não se pode dizer que sumiu, pois não chegou mesmo a dar as caras quando nasceu a figurinha do Vanderlático. Vem daí a falta de estrangeirismo do sobrenome. A finada mãe discorria diariamente sobre o pai fugido “Safado, bastardo, estabanado, bandido”, que ele era “ufololólogo”, nas palavras dela. Deve ser daí que encaixou o Galáctico no meio de tanto “ático”.

E o danado se formou com honra e mérito na capital, Fortaleza. Fez faculdade particular e tudo o mais que tem direito, de pós, pós-pós, pós-pós-pós, só não fez doutorado mesmo. Senão até aceitaria a alcunha popular. Na pacata Canoa Quebrada, era ele o trigésimo sexto morador formado com tanta medalhinha no peito. Vanderlático formou-se em engenharia quântica. Foi o que espalhou dona Mercedina pelas quitandas do arredor. Ela também espalhou que dona Néia morreu de desgosto, pois Vanderlático já beirava os quarenta anos e morava em casa, sem nunca namorar.

Está ai, devidamente apresentado o Vanderlático Galáctico Soares Barbosa. O homem ferrenho, com um nome que até já enjoou. Mas o que se deve prestar bastante atenção é na pessoa inda mais reservada, que é justamente Lenise Pataróca. Personagem principal de um evento bem bisonho, de difícil crédito na praça. E o caso é que Lenise vivia sozinha na única casa azul de Canoa Quebrada. Continuação imediata e geminada da casa de Vanderlático. Lenise na azul e ele na amarela. Um colorido bem acertado para a região praiana.

Senhorita Lenise Pataróca era mulher solitária. Já batia na borda da idade da loba, “Ela tem quarenta e quatro” dizia dona Mercedina pelas quitandas do arredor. Nascida em Jequitinhonha, pulou de município a município, nunca muito longe do chavão eterno e deprimente do mineiro: um pão de queijo, um leite quente e um mato no meio do dente.
A família não pode ser explicitada, pois não vamos dar conta de esmiuçar os doze irmãos, os vinte e quatro sobrinhos e toda a cachorrada de estimação. Importante sim é constatar que na sua índole solitária, veio pegar uma cor menos azeda nessa terra de sol, sozinha de tudo e fatidicamente, vizinha do Vanderlático.

Seguia sempre na santa paz, fazendo o que lhe era de mais interesse. E o que lhe subia nas entranhas era a escrita. Lenise Pataróca, autora do sucesso “Sabiá de porcelana”, segue trecho:

“ Pode esmigalhar o reluzente Sabiá. Este recalcitrante pecador sonoro. Na janela púrica de meu quarto, bicando meu cetim perolado. Deste lado estou, onde o prenderei. Aguardo-te, para enjaular a eternidade do seu piar”.


Tenso, maçante e irritantemente parnaso; Lenise fez muito sucesso em Canoa Quebrada. Espalharam-se paródias em todos os cordéis da região. Uma mulher moderna, que soube arrancar o ganha-pão com mais edições destes cordéis, debochados e parnasianos.

O caso é que chegou um dia, terça-feira normal de labuta, que Vanderlático estava a ponto de encerrar seu invento. A partir dos pacotes recebidos, ergueu-se o octaedro parafernal, repleto de fiação. Segue a lista por ordem de colocação: 

Sessenta placas de alumínio, vinte transistores, três microprocessadores, dois cabos super condutores, cinco parabólicas médias, vinte metros de fio de cobre, quatorze interruptores, dois monitores, uma bacia com água, um espelho e uma bateria para caminhões.


Na expressiva construção, que empatava toda a sala de estar, estava o inventor apertando o último parafuso. Puxou o rolo da tomada até a caixa de força e conectou os pólos diretamente na chave de energia. O zunido ecoou do octaedro, seguido de um tremelique espalhafatoso. Na tela do monitor, vários espirais piscavam intermitentes. Vanderlático abriu o livro “Eram os deuses astronautas? de Erich von Däniken” e afundou os óculos foscos numa leitura compenetrada do quinto capitulo.
Enquanto isso, Lenise travava certa batalha materialista com um parágrafo de seu novo trabalho.

“Linda e delicada, ela espreme roupa na beira do rio. Suspirando com sabão de coco no colo do seio farto, aguarda surgir o homem de sua vida, alto, forte e corajoso. O homem que a amará. Quem sabe não seja o Barão Albuquerque Mantiqueira? Suspirou Linese enquanto esfriava as ancas na água doce”.

Os olhos da autora marejavam ao contemplar a personagem. Em sua cabeça, a obra máxima estava já formada. Linese Peixoto, camponesa apaixonada e Albuquerque, temido por todos. Estava espelhando todos os sonhos em tal representação. E o reflexo gritava, obviamente, na troca de letras de seu nome com a fictícia projeção. Baita imaginação que lhe falta, essa é minha opinião. E apesar de toda uma vida de vontade suprimida, permanecia empatada neste trecho e sua escrita não evoluía. A espera pela inspiração rendeu um sonoro baque na parede da sala.

“Que loucura está aprontando o Galáctico?”

No lado de Vanderlático, a parafernália inconstante tremia cada vez mais. As páginas de Erich von Däniken estavam espalhadas por todo o canto. Cálculos e fórmulas incompletas foram riscados nas paredes. Vanderlático resmungava com os pés dentro da bacia de água e de fronte a tela do radar. Em seu rosto, estampava-se a decepção. Toda a labuta dispensada naquele caótico ambiente parecia não estar resultando em nada.

“Falta algo nunca antes tentado”!

A luz da genialidade acendeu sobre o homem. Ansioso, correu para a cozinha na esperança de um químico mágico, toda a cozinha tem químicos constituídos muito utilizáveis para salvar seu invento. E sem muita ponderação agarrou o objeto catalisador de todo o derradeiro fim de caso. Vanderlático voltou ao octaedro, lunaticamente empolgado. Com a convicção de um pós-pós-pós graduado, desarrolhou a tampa da matriz, fonte improvável de força sinistra. Eis a solução desesperada, a grandiosa pérola alimentícia do nordeste: a manteiga de garrafa!

Lenise encarava a parede de sua sala após o enigmático baque. Na tela do computador piscava a barrinha do editor de textos.
 
“Linese |”

 
Piscou os olhos e deixou apenas um dedo sobre o teclado. Com o corpo retorcido em direção ao ruído, viu a parede ondular como um lençol ao vento. O ruído contínuo engolfava o ambiente e a cor palha do ondulado passou a esmaecer e então escurecer. Um negrume se apossou do reboco e a casa geminada alquebrava aos poucos num terremoto. Branca e azeda, Lenise era um monumento rígido de medo. A parnasiana nada podia descrever de tão etéreo fenômeno. Fatalmente engolfada pelo buraco negro aberto na parede, ouviu-se neste instante por toda a cidade um potente “Chomp”.

Do jeito que foi tragada, imediatamente foi cuspida. A parede voltou à cor palha e o ruído contínuo havia cessado. A casa permanecia esfarelando no tremor. Na tela do computador somente estava a barrinha piscando.

 
“Lenise |”

 
Vanderlático arrombou a porta do lado amarelo e adentrou a sala, todo lambuzado. Através do embaço de seus óculos gordurosos, conversou com a figura sorumbática sentada à sua frente.


“Dona Lenise, temos que sair daqui, o mundo irá desabar. Criei uma máquina de absorção atmosférica. Não to dizendo missa, entenda. Acabei de criar um mini buraco negro. Culpa da maldita manteiga, escute, levante-se, ande! Ô bezerra, desempate”!

Apalpando e puxando o braço dela, Vanderlático discursava apopleticamente.

“A manteiga de garrafa é forte demais. Ultrapassou todos os limites voláteis do meu mecanismo. Pobre de mim que pretendia fazer contato com alienígenas, Marte, Saturno, Júpiter, talvez Vênus... O alemão estava certo, o...”

“Acaso teu nome, oh ser de tamanha ignomínia, é Barão Albuquerque Mantiqueira?”

“Má deixe de munganga mulher, bóra logo!”

Dona Mercedina pousou como uma varejeira malvada na janela.

“ Hum... E esse rala bucho ai, hein? Mais ta que ta, viu? A casa chega é a tremer com o roçado dos dois”.

Dona Mercedina bateu asas pra longe, sem deixar margem pra resposta.

“Meu nome é Linese Peixoto e caso seja tu meu príncipe, deixo me levar aonde quiser!”

Na tela do computador piscava ainda a barrinha.
 
“EU SOU LENISE PATARÓCA, SEU LOUCO DESGRAÇADO. ME 6*&()_(o*y LESO |”
 
“Arreia peste!”

Vanderlático chutou o computador pra longe e este se espatifou no piso. A luz do dia invadiu com intensidade a casa e um barulho de maquina ensurdeceu a todos. Lenise ressurgiu de cócoras entre os cacos do computador, encarando sua cria Linese. O teto, que caia ao chão quase por completo, foi desmaterializado de uma vez. O vento rodopiou dentro da casa e Linese gritava:

“Albuquerque, Albuquerque, salve-me! Essa versão vai expirar, compre o original! Salve-me, Albuquerque”!

O cientista largou o braço da mulher-personagem e ergueu as mãos para o céu.

“Sejam bem vindos! O humano dentro de mim saúda o humano dentro de ti!”
 
“TERRÁQUEO BATRÁQUIO. TEU SINAL IMANTIZOU NOSSO SISTEMA LIMBICO”

Nas alturas recortou-se um buraco negro. E entre o solo e a nave-charuto, foram os três sugados numa espiral. Subiram junto os cacos do octaedro e a garrafa vazia da manteiga. Detalhe para o rótulo que permaneceu grudado no piso:

Manteiga Derretida Bulutrica.

Os conterrâneos de Canoa Quebrada vieram em peso naquele final de tarde. Pescadores remaram em direção a praia e crianças abandonaram as brincadeiras. Cercaram a casa azul e amarela para fofocar. Do suposto balão prateado até o estouro de um botijão de gás, ficara mais conhecida a explicação da testemunha ocular, Dona Mercedina. Só no dia seguinte, numa quitanda dos arredores que ela explicou aquilo que não viu, ou que viu, mas não processou.

“Foi com essas gemas do meu rosto, veja bem, que eu flagrei o dotôzinho todo malamanhado. Tava agarrado com aquela estranha escritora; é sim. Tocaram fogo na casa, e é como falaram os pescadores mesmo. Fugiram num balão prata. Vi uma parte, outra parte sai fugida que eu não sou futriqueira”.

Assim foi o caso. Imortalizou naquela banda uma dezena de talentos no cordel. E despertou novas paixões pelo céu estrelado daquela ponta boa do Brasil. Essa foi minha oportunidade de romancear uma dessas historinhas que li por lá. 







Diz o líder a sua turba:

- De nossos próprios corações obtemos o cálice maior da pós-vida. A insegurança que habita nosso invólucro será execrada. Regressamos no pó do pó. Paz, como uma manta, a tudo preencherá.

O nome é Beatriz. Dezoito anos do corpo curvilíneo, moreno, tenaz. Olhos oblíquos, grandes e expressivos. Piscam em câmera lenta para o púlpito. Púlpito azul claro de pupilos estigmatizados. Púlpito de seda vermelha, pupilos despidos enfileirados. Palavras-verdade que doem num mantra interminável, indelével.

- A família externa é só, e assim foi por muito tempo, uma base borrada, à parte da verdade nua, primordial. Verdade una que te traz à família final, fraternal. Somos a cópula de amor. Final, una, fraternal, nua.

O coral suave repete palavras firmes. Quatro cantantes de tessitura alva, hipnotizante.
A melodia percorre o salão pobre de paredes descascadas, os pés de cinqüenta pessoas pisam a terra batida e o corpo balança num ir e vir sem sair do lugar.

- Já sabem. Já tem certeza. Seus pulsos firmes têm a decisão que lhes propicia uma eternidade tangível, confortável. Não cansa mais a procura do arroz e feijão, o abate da galinha, do porco, do boi. Vocês sabem que a verdade da fome é um câncer perigoso. Não é natural viver buscando o ouro para mastigar a comida. A natureza fornece o que comem aqui. E aqui, quantos cansaram o corpo por abater a galinha, o porco, o boi? Ninguém. Nenhum. Por que é tudo unificado. Somos um pensamento universal.

Rostos sorridentes, armados com dentes amarelos. Felicidade estampada. Balançavam mais e mais. Beatriz ergueu os braços finos, escorrendo os dedos nos longos cachos de cabelo. Esta feliz. Mais que um sorriso, ela ri. Risada aberta, honesta.

- Há meses lhes foi entregue a chave da verdade. A liberdade plena. O coração liberto. Somos especiais. Preparados para a grande viagem que a Luz nos preparou. Eu sou feliz, sou transbordante, pois a Luz visitou meu corpo sacro e através dele me faço de instrumento para que cada um de vocês prove a verdade. Caminha só quem tem o passo certo. Se você esta aqui, sinta meus olhos na sua alma. Sinta a unidade.

Sol ardente, escorrendo as três da tarde, nas janelas grandes e gradeadas do salão. O matagal alto, parado pela ausência do vento, vai de uma planície a outra. Terreno irregular, difícil de definir. No cenário picante deste isolado local, cinco homens correm selvagens, tropeçando e arfando. O retardatário, mais obeso, com olhos vermelhos e suor abundante olha para o céu. Ele avisa roucamente, os que vão à frente:

- Urubus. Urubus em circulo.

Não comentam a observação. Nem ao menos tiram o olhar do mato alto. Apertam a corrida e avançam. Surge um telhado cinza, metros à frente. E a visão vai se ampliando. Cruzam com uma placa de madeira espetada num toco, escrita à mão, lê-se “Luz Eterna”. Os homens não param para ler. Já sabem onde estão. Eles conhecem o símbolo abaixo das letras, uma estrela com uma meia lua no centro.

- Ah meu Deus do céu. Ah meu Deus do céu. Proteja minha criança. Não vai dar tempo... Não vai dar... Meu Deus, por favor.

O homem a frente de todos suplica com voz embargada, olhos lacrimosos. Rosto moreno desmanchado em dor. Contrario ao corpo firme, resoluto nos passos corridos.

- Tenha fé. Tenha fé! Vai, vai, vai...

- O templo! Olhem lá.

As galinhas livres saltam e cacarejam, batem asas trombando nos homens. Porcos e bois dividem o mesmo cubículo de lama, alvoroçados com os esbaforidos recém-chegados. Corpos putrefatos, mal enterrados e exalando carniça, assustam os homens.

- Vamos irradiar a força do cosmo. É hora de atravessar o principio da Luz Eterna. Abençoados. Vocês são todos abençoados! Flutuem até minha alma. Flutuem até minha alma. Flutuem!

Correm pela lateral do salão. Um deles começa a bater no vidro, passando de janela em janela. Bate no vidro, puxa a grade. Força a visão para o lado de dentro. Há muita gente. Num púlpito improvisado com caixotes, um homem magérrimo, cabelos desgrenhados, seminu, aparece em êxtase discursando algo ininteligível.

- Beatriz! Beatriz! Beatriz! – Ele retira um revolver da cintura. – Beatriz Sanssamariana!

Todos os cinco sacam revolveres. Só há uma porta lateral, lacrada por tábuas grossas e acorrentadas.

- A minha família é a unidade da verdade que nos completa até hoje, aqui, no solo sagrado. É aqui que nossos corpos vão ficar! As carcaças sem brilho. Espera-nos a Luz Eterna.

“Luz Eterna”
“Luz Eterna”
“Luz Eterna”

Galões de cem litros, impulsionados por vários voluntários, caem no chão de terra batida. Beatriz retira a camisola. Todos os presentes retiram suas camisolas idênticas, brancas e surradas. O salão fede gasolina, empapada com a terra vermelha. No púlpito, o guru geme alto de olhos fechados. As cantantes do coral interrompem sua melodia de vogal única. Embocam mais gasolina sobre seu líder.

- Beatriz! Por favor, Beatriz! Sou eu... Seu pai, Beatriz. Beatriz! Aqui, Beatriz!

A jovem vira o rosto na direção do pai desesperado. Seus olhos estão vazios, sorrindo. Ela deita no chão. Todos deitam. Esfregam-se no lamaçal.

- Desgraçados... Desgraçados... Filhos da puta! Desgraçados! Ah Pai do céu! 

Ele se pendura na janela, tenta clarear sua visão da filha no meio da maçaroca de corpos. Os outros quatro homens já quase colocam a porta ao chão.

- O ser carnal e o ser espiritual são unos. Meu exterior é como o seu. O meu interior é como Deus. Seu interior é um reflexo do meu. Mas a Luz pede que nosso interior volte ao conjunto. O interior e o exterior não podem mais ser diferentes. O caminho sou eu. Seu corpo é meu. Sou você. Você é Deus.

O pai atira duas vezes em direção ao louco. Acerta a cabeça e o estomago do homem. A porta vai ao chão e o templo é invadido. O vidro estilhaçado cai sobre seus ombros e os olhos se fecham e se abrem. Uma luz clara e quente os invade. Segue um estampido alto e um calor insuportável. Todos os vidros estouram. Gritos pavorosos, gemidos. Corpos pegando fogo, debatendo-se porta a fora. O pai de costas no chão duro, chamuscado, procurando a silhueta da filha nas bolas de fogo. Caem as lágrimas, desesperado. É tarde demais! É tarde demais...
 

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