terça-feira, 15 de março de 2011

Sem muita esperança passo em volta da praça Charles Bauder a procura de um almoço razoável e um local que atenda as necessidades do meu dia-a-dia. Junto-me a um banco de cimento  e fico a admirar as crianças que correm felizes em volta das arvores. As pessoas que caminham apressadas na rua, sem contemplar a paisagem agradável.

Pequenos círculos de grama, arvores de tronco largo, lirios do vento chacoalhando as pontas finas, legiões de formigas enfileiradas, carregando lascas de pão. No começo de uma primavera florida, todas as aves cantam  boas-vindas a natureza local. Natureza esta, emaranhada entre prédios de arquitetura moderna, arrojados e imponentes. E eu não poderei nunca alcança-los, mesmo se retornar ao vigor da juventude.

Invade-me uma nostalgia grande. Recordo da infância ao redor de praças inda maiores, sem entender o porquê de sempre ser levado para estes lugares, ás vezes sozinho, ás vezes em grupo, cheirando ao orvalho da manhã. Mas aqui é diferente, a paisagem me olha como uma brincalhona. Alguns velhos, jogam uma partida de xadrez, me dividem um lanche, como numa confraternização.

É tudo quase perfeito, se não fossem as pessoas que cruzam a praça, em ternos alinhados e vestidos ornados, indo ao trabalho como, aos meus olhos, grandes manchas cinzentas, deturpando uma perfeita harmonia. Homens e mulheres que me encaram com um olhar invejoso, raivoso.

Encostado na arvore ao lado de uma passarela, recuo com medo destes homens e mulheres que blasfemam contra mim, sem motivo aparente. Meu espanto é enorme, pois nada fiz que não seja normal. Ninguém, além destas manchas cinzentas e apressadas, se incomoda com minha presença. Sou apenas mais um. Finjo indiferença enquanto mordo mais um pedaço do meu lanche de ameixas, cedido aos tecos pelos velhos, este que me agulha em cólicas leves, tenho intestino meio solto. 

M - Que horror! Nojo, nojo, ai ai...

H - Cagão maldito! Meu terno novo. Essa laia, emporcalhando a  passagem.

M - Ai! Que nojo...

H - Como vou pro serviço deste jeito?

M - E eu? E eu?

Que gentinha desajustada ! Não ficarei a ouvir tamanha calunia a meu respeito. E mesmo porque,  estou mal do estomago, péssimo. Acho que terei que passar depressa pela praça para, realmente, evitar um embaraço. Eu não vou agüentar.

"Ui"

O pipoqueiro também esta a me xingar. Oras, disfarço bem um peidinho, dois. A expressão é das melhores. As crianças, elas correm e gritam até as suas mães. Onde está a bela harmonia? Onde está a brisa perfumada? O quê fizeram com o chão? Tudo vira uma tragédia. A praça cheira mal e as pessoas escorregam em algo sujo. Também quero sair.

"Ui"

Vou-me embora, vou voando de tão rápido.

"Ui"

Atrás de mim, os homens, as mulheres, os velhos, as crianças, à gritar:

– Maldito! Pombo maldito.

- Pombo sujo! Seu, seu, seu p o o o o m m m b o o o o o...

E eu, cada vez mais longe, cada vez mais longe.

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1 comentários:

Rafa Lombardino disse...

Oi, Sérgio! Meu nome é Rafa Lombardino e entrei em contato com você no começo do ano sobre a possibilidade de traduzir e publicar um conto seu no nosso site (http://bit.ly/CBSS-site). Originalmente, havíamos selecionado "O último ingrediente", mas também gostamos de "Mudando a paisagem". Se estiver interessado em participar do CBSS, entre em contato pelo email rlombardino[ARROBA]gmail[PONTO]com e a gente pode conversar mais sobre o projeto. Até mais!

 

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